O camisa 7 no cinema


Acho que é sinal de boa sorte que o primeiro assunto do blog seja o número 7. Afinal, escreverei semanalmente aqui sobre a sétima arte. Para esse post, resolvi unir cinema com futebol ao falar de Garrincha, Alegria do Povo, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e lançado em 1962.

Quem não se interessa pelo esporte mais popular do planeta pode estar se perguntando qual é a relação entre o documentário e o número 7. Pois saibam os desavisados que Garrincha foi o melhor camisa 7 do futebol brasileiro. Até o sujeito mais desligado já deve ter percebido que a maioria dos clubes valoriza os jogadores que vestem a 10 ou o centroavante que usa a 9. No Botafogo, a coisa é diferente por causa de Garrincha. Até hoje, o time da General Severiano mantém uma mística em torno do 7. OBS: Antes que me acusem de qualquer coisa, saibam que sou flamenguista.

Um dos grande méritos de Garrincha, Alegria do Povo é o próprio tema: o futebol. Este foi o primeiro documentário brasileiro a tratar sobre essa grande paixão do brasileiro e é muito difícil falar sobre aquilo que nos comove. Hoje é até comum que os clubes produzam filmes sobre alguma campanha vitoriosa de suas equipes. O Flamengo, por exemplo, tem uma série de três DVDs sobre seu último tricampeonato carioca. No entanto, esses produtos costumam se restringir ao torcedor mais apaixonado já que sua qualidade estética é um tanto questionável. Esse problema não ocorre com a obra de Joaquim Pedro de Andrade tanto que o filme venceu o prêmio Carlos Alberto Chieza no Festival de Cortina D’Ampezzo, na Itália, em 1964, e concorreu ao Urso de Ouro, no Festival de Berlim, em 1963.

O documentário apresenta Garrincha da melhor maneira possível. As primeiras cenas são de partidas que o ponta direita fez pelo Botafogo. Em certos momentos, a câmera se volta para a o jogo. Em outros, se direciona aos torcedores. Tudo o que ouvimos falar sobre os dribles desconcertantes do craque das pernas tortas está lá. A montagem de Joaquim Pedro de Andrade e Nello Melli faz bom uso também de fotografias que incluem parte do acervo do Jornal do Brasil e da Revista Cruzeiro. Infelizmente, a qualidade do áudio captado no estádio é ruim. De qualquer maneira, as imagens já dão uma noção da experiência de estar nas arquibancadas. A reação da multidão no Maracanã ajuda a comprovar a tese presente no próprio título do filme. Garrincha era a alegria do povo. Essa visão é compartilhada pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano. Em Futebol ao sol e à sombra, ele diz o seguinte sobre o camisa 7:

Quando ele estava lá, o campo era um picadeiro de circo; a bola, um bicho amestrado; a partida, um convite à festa. Garrincha não deixava que lhe tomassem a bola, menino defendendo sua mascote, e a bola e ele faziam diabruras que matavam as pessoas de riso: ele saltava sobre ela, ela pulava sobre ele, ela se escondia, ele escapava, ela o expulsava, ela o perseguia. No caminho, os adversários trombavam entre si, enredavam nas próprias pernas, mareavam caíam sentados.

Garrincha, Alegria do Povo não traz depoimentos sobre Garrincha. Ao invés disso, o documentário mostra registros do cotidiano do jogador: suas partidas, os treinos, o convívio com os colegas de time no vestiário, a relação com a família, as peladas com os amigos etc. Nesse ponto, o filme flerta com o cinema-direto de nomes como Robert Drew e Pennebaker, por exemplo. É interessante que tenham conseguido captar a intimidade do atleta sem deixá-lo intimidado com as câmeras. Garrincha age de forma natural. Com isso, podemos vê-lo em passagens muito simpáticas como a que ele dança com as filhas ao som de Nat King Cole.

O roteiro que Joaquim Pedro de Andrade assina com Luiz Carlos Barreto, Armando Nogueira, Mário Carneiro e David Neves também merece destaque. A narração em off é utilizada na medida certa. Esse recurso aparece mais nas sequências que tratam sobre as Copas do Mundo de 58 e 62. Como o texto tem personalidade, a história das campanhas da seleção não é contada em um tom didático e tampouco piegas.

A maior qualidade do filme é mesmo o personagem. Garrincha era o craque que todo time gostaria de ter no elenco. Porém, a malandragem nos gramados trazia problemas ao clube. Ele era como o mau operário da fábrica, o que não gostava dos treinos e das concentrações. Eduardo Galeano descreve muito bem essa faceta do jogador:

Garrincha exercia suas picardias de malandro na lateral do campo, do lado direito, longe do centro: criado nos subúrbios, jogava nos subúrbios. Jogava para um time chamado Botafogo, e esse era ele: o Botafogo que incendiava os estádios, louco por cachaça e por tudo que ardesse, o que fugia das concentrações, pulando da janela, porque dos terrenos baldios longínquos o chamava alguma bola que pedia para ser jogada, alguma música que exigia ser dançada, alguma mulher que queria ser beijada.

Garrincha tem muito em comum com a imagem que costuma ser destinada aos brasileiros. Por isso, entender um pouco mais sobre esse jogador é compreender melhor o nosso país. Garrincha, Alegria do Povo tem o mérito de fazer isso sem cair no discurso do moralismo barato, do preconceito. O camisa 7 é tratado com a sensibilidade que a nossa população merece ser vista.

One thought on “O camisa 7 no cinema

  1. A abordagem me surpreendeu. Juntar cinema e fotebol não seria de todo uma idéia original mas, quando a proposta é escrever sobre o 7, juntar o eterno camisa 7 do botafogo com a sétima arte ficou, de fato, interessante.

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