Domingo: Orgulho e preconceito

por João Lima, do blog ComTexturas.

Começo este texto com a responsabilidade de ser o primeiro homem a escrever para o blog. E mais do que isso: além de ser o primeiro colunista homem, escreverei sobre o tema “homem”! Alegre coincidência. Mais eu encaro. Afinal de contas, sou homem. E homem que é homem… Não é isso que dizem? Aliás, que expressão mais curiosa. Um homem pode ser mais homem ou não. Mas, segundo o dito popular, melhor que seja. Se não vira chacota, rende comentários maldosos. Ora, homem tem que ser homem, tem que ser macho, matar a cobra e mostrar o pau e depois ainda cuspir no chão.

Querem saber, não serei homem coisa nenhuma! Serei bem viado nas minhas palavras. Com muito orgulho e até com certo alívio. O fardo que séculos de uma cultura patriarcal e machista impôs, tornou-se aval para intolerância, prepotência e selvageria. Nós, ‘homens’, empunhamos o nosso ‘falus’ e saímos por aí, atirando sem licença e sem nos preocuparmos com o estrago que causamos ao ‘outro’. Nosso instinto de dominação devasta florestas, destrói casas, desintegra famílias, interrompe vidas.

Na China, bebês do sexo feminino são brutalmente abortados – efeito desastroso do programa de controle populacional do governo; na obrigação de cada família ter, de preferência, apenas um filho, os chineses preferem os homens, por serem mais ‘capazes’. Não preciso nem falar da ditadura masculina nos Estados muçulmanos. Em alguns países orientais, como o Butão, por exemplo, o pênis é um símbolo divino, com o poder de proteger contra os maus espíritos e promover a fertilidade. E não nos esqueçamos do prepúcio de Jesus Cristo, sagrado para a Igreja Católica.

É claro que algum antropólogo de plantão dirá que isso é um resíduo da cultura de cada povo. E é claro também que algum psicanalista de plantão dirá que a história da humanidade só poderia ter sido construída por quem tivesse culhões, seja esse ‘cara’ homem ou mulher. Mas não entrarei nessa discussão. O espaço é curto e não pretendo fazer deste artigo uma tese.

Toda essa digressão à la Machado de Assis é só para falar do nojo e da ânsia de vômito que eu tive ao ler a notícia de que um vereador de São Paulo, Carlos Apolinário (DEM), conseguiu aprovar um projeto de lei que institui o Dia do Orgulho Heterossexual. O argumento? A comunidade gay tem excesso de privilégios. O tal vereador, esquecendo que vivemos num regime democrático, acusa os gays de estarem dominando o espaço público, vexando pais de família com seus “agarra-agarra”, fechando avenidas com suas manifestações, blá blá blá. O engraçado é que ele não se refere às mulheres homossexuais. Por que será?

Para o bem intencionado vereador, que garante “se dar bem” com homossexuais, os gays devem se comportar ‘normalmente’ em público. Só assim, não correriam o risco de serem discriminados (ou espancados nas ruas). Mas o que seria ‘agir normalmente’, segundo Apolinário? Não se afeminar? Se portar como homem? Sim, claro. Tem que ser macho! Andar como macho, falar como macho, pensar como macho. E para não deixar os héteros na dúvida de como proceder, taí o Dia do Orgulho Heterossexual! Imagino homens num trio-elétrico, com os paus pra fora, gritando “Olhem aqui o meu pau! Curvem-se a ele!”. No Butão, eles têm falos pintados nas paredes das casas…

Não! Espero que essa lei não cole e que esse culto escroto à virilidade não passe de uma bravata de gente enrustida. Prefiro imaginar sociedades sem a marca fálica/bélica do homem. Nações sem dominadores e dominados. Sem guerras. Sem ditaduras. Sem preconceito. Me reservo a sonhar com um equilíbrio dos sexos, sejam eles fisiológicos ou psicológicos. O mundo já viu muito da dura lei do homem, que vivenciamos desde criança na figura do pai. O mundo, agora, precisa mais da imagem de compreensão e amor passada pela figura feminina e materna. Homem ou mulher, gay ou lésbica, sejamos um pouco menos endurecidos, e o mundo será mais terno.

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