Representante do Cine-Ceará e diretor da Casa Amarela Eusélio Oliveira, do departamento de Cinema da Universidade Federal do Ceará (UFC), o cineasta Wolney Oliveira conversou com o Blog 7em1 sobre Os Últimos Cangaceiros, documentário que estreia nesta sexta-feira (14/10), no Festival do Rio. O filme conta a história do casal Durvinha e Moreno, que por mais de meio século esconderam até dos filhos que fizeram parte do bando do Lampião.
Blog 7em1: Você chegou até o casal Durvinha e Moreno através do pesquisador João de Souza Lima. Como foi esse primeiro contato com o casal? Como eles reagiram à proposta de fazerem um filme?
Wolney Oliveira: O João de Souza Lima é um pesquisador importante do Cangaço e prestou consultoria ao filme ao lado de Antônio Amaury Corrêa de Araújo, que escreveu vários livros sobre o assunto. Foi o João quem descobriu que eles estavam vivos, através da dona Ilda, que é irmã da Durvinha. A Ilda comunicou que a família tinha descoberto que a Durvinha estava viva e, com ajuda do João, nós chegamos até ela, com muita dificuldade. Isso porque recentemente o casal tinha reencontrado o Inácio, filho mais velho que, em 1940, eles deixaram, com mês de idade, em Tacaratu, interior de Pernambuco, aos cuidados do Padre Frederico. E, infelizmente, a gente não pôde filmar o reencontro dele com os pais, porque ele não permitiu. Então, no filme, a gente usa umas fotos e tal. Da parte da Durvinha e do Moreno não houve nenhuma resistência. Pelo contrário, a reação negativa veio do Inácio, que viu de outra maneira a nossa proposta e também outros interesses que não condiziam com o filme. Mas com a ajuda dos outros irmãos, nós conseguimos conter essa dificuldade colocada pelo Inácio e fazer o filme.
Blog 7em1: Quanto tempo durou a produção do documentário e onde ele foi gravado?
Wolney Oliveira: A gente começou a gravar no final de 2005. Então, do início da filmagem até ele ficar pronto, foram aproximadamente cinco anos de trabalho. No total, nos filmamos em oito estados: Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Rio de Janeiro. Sobretudo, em Minas e São Paulo. E no Rio também porque o irmão da Durvinha, que ainda está vivo, o Manú, mora em Saquarema.
Blog 7em1: Apesar da sua experiência como documentarista, em algum momento você pensou em transformar a história deles em um roteiro para ficção?
Wolney Oliveira: Daria sim uma grande história, porém seria um filme caro. O meu primeiro longa de ficção, A ilha da morte, foi um projeto que custou dois milhões e meio de reais. E hoje me dá muito mais prazer fazer documentário do que ficção. Ficção dá um trabalho imenso, tem que coordenar equipe com 80 a 100 pessoas. Mas, certamente, essa possibilidade existe. Não sei se eu dirigiria, porém é uma história que daria um filme impressionante, porque eles passaram três meses caminhando de Tacaratu até o interior de Minas. Então, sendo escrito por um ótimo roteirista, que não é o meu caso, daria um belo filme de ficção. Porque um dos grandes problemas do cinema brasileiro ainda é o roteiro. Mas é uma história que fica bem escrita e rende um belo filme.
Blog 7em1: São personagens cuja trajetória é marcada por um forte apelo emocional. Você se envolveu com os personagens? Como você equilibra isso no filme?
Wolney Oliveira:Um dos meus primeiros contatos com o cinema foi o Cinema Direto, do Jean Rouch, cuja teoria incentiva que você se aproxime do seu personagem, que você vire amigo dele e, se possível, faça parte da família. E não tem como você fazer um filme desses e não se envolver emocionalmente. Mas foi um envolvimento que, pelo menos no nosso caso, não atrapalhou o andamento do filme. Pelo contrário, até colaborou. A Durvinha é uma figura supercarinhosa e acabou colocando apelido de cangaceiro em toda a equipe. O Danilo Carvalho, um dos técnicos de som do filme, ela apelidou de Cacheado. O Eusélio Gadelha, diretor de fotografia, ela chamava de Português, porque disse que lembrava o cangaceiro Português, que é muito bonito. Foi uma relação muito legal, nós convivemos por um período de quase três anos. Inclusive, nós levamos a Durvinha para encontrar a família dela em Paulo Afonso, pois tinha mais de 60 anos que ela não ia lá. Da mesma forma, ajudamos o Moreno a encontrar a família dele em Breve Santo, interior do Ceará. Então, um filme que você faz com esse tipo de personagem, e que você não se envolve emocionalmente com eles, a tendência de que ele não seja um bom filme é bem maior do que se você tiver um relacionamento mais forte com os personagens. Até para você conquistar a confiança deles. No nosso caso, esta confiança foi conquistada de pouquinho em pouquinho. E no documentário, eu acho que esse relacionamento do diretor com os personagens é fundamental.
Blog 7em1: O tema do sertão e do Cangaço não é novidade no cinema brasileiro. Só no livro ‘Canganço, Nordestern no Cinema Brasileiro’, lançado em 2006, pela jornalista Maria Rosário Caetano, há referência a mais de 60 títulos. Em que ‘Os Últimos Cangaceiros’ se diferencia de tais produções?
Wolney Oliveira: No livro da Rosário, que é um livro maravilhoso, ela diz, e está corretíssimo, que o Cangaço é um dos temas mais abordados no cinema brasileiro. Existem 45 longas de ficção sobre o assunto, mas documentário, até o nosso filme, existiam apenas três: os do Globo Repórter, feitos pelo Hermano Penna e o Capovilla, e o Memórias do Cangaço’, do Paulo Gil Soares. E as imagens do Benjamim Abrahão, de 1936. Os Últimos cangaceiros é o primeiro longa documentário sobre o Cangaço. Nós fizemos um trabalho de colorir parte dessas imagens do Abrahão e, também, a leitura labial de uma das cenas do filme. Então, tem uma parte fotográfica um pouco fake. E a trilha sonora do DJ Dolores funciona muito bem. A colorização das imagens de arquivo do Abrahão não foi feita aleatoriamente. As cores das roupas tem a mesma tonalidade daquelas usadas pelos cangaceiros, com tons muito fortes. Inclusive, o Frederico Pernambucano de Mello, que tem um livro chamado ‘Estrelas de Couro: a estética do Cangaço’ ressalta que na história brasileira não há roupa parecida. Porque, geralmente, os criminosos tendem a usar vestimentas para se camuflar. No caso dos cangaceiros, a roupa deles era exuberante. E não tinha como se esconder com uma roupa daquelas. Não era uma roupa de camuflagem, era uma roupa para impressionar as pessoas. Então, as imagens foram coloridas conforme eram os trajes deles. E tem também a presença do humor no filme. Apesar de estarmos tratando um tema duro, há várias passagens em que as pessoas riem.
Blog 7em 1: Como representante do Cine-Ceará, você acha que a cultura nordestina tem sido bem representada pelo cinema nacional?
Wolney Oliveira: Isso varia muito de filme para filme. Baile Perfumado, do Paulo Caldas e do Lírio Ferreira, que é um clássico do cinema brasileiro, além de ter sido um dos filmes da Retomada, relata muito bem essa realidade. Já outros filmes, inclusive sobre o Cangaço, são totalmente estereotipados, a começar pelos atores. Você vê cangaceiros com o fenótipo sulista, o que não acontece no filme do Paulo e do Lírio. Muitos filmes são estereotipados no sotaque, na escolha dos atores. Na minissérie da Globo, por exemplo, sobre Padre Cícero, quem interpreta a beata Maria de Araújo é a Débora Duarte. Só que a beata é negra e feia, e a Débora Duarte é branca e linda. Então, tem muita coisa que não condiz com a realidade. Outros filmes, porém, como Vidas Secas, do Nelson Pereira dos Santos, retrata bem a realidade nordestina.
Blog 7em1: Como o público reagiu à exibição do documentário no Cine-Ceará?
Blog 7em1: E quais são as suas expectativas para o Festival do Rio?
São muito boas. Primeiro porque o Cine-Ceará é festival Ibero-americano que reúne gente de todo lugar do mundo. Depois, porque é uma história muito especial e os personagens principais são ótimos entrevistados. O Moreno é um show-man. Além da história dele ser sui generis, ele canta, dança… E eu acho que fui muito feliz na escolha dos remanescentes do Cangaço que estão no filme. Outras coisa é que, apesar do tema áspero, ele tem humor, drama, lágrimas e uma trilha sonora que mexe com as pessoas. Então, minha expectativa é de que seja uma boa exibição. Na exibição, em Fortaleza, nós convidamos cinco filhos do casal, além de outros familiares, e houve muita comoção. Infelizmente, o Moreno e a Durvinha não puderam ver o filme, pois ele faleceu há um ano e pouco, já com 100 anos, e ela há uns três anos, com 95.
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