O trabalho de Angeli já foi inspiração para as animações Dossiê Rebordosa, de Cesar Cabral, e Wood e Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll, de Otto Guerra. Em Angeli 24 horas, Beth Formaggini também se volta para a obra do cartunista. Confira a seguir um bate-papo com a cineasta Beth Formaggini.
Blog 7em1: Como surgiu a ideia de fazer um filme sobre o Angeli?
Beth Formaggini: Eu leio as tirinhas dele quase todos os dias, há 30 anos. Sempre penso que era isto que eu estava pensando. O cara traduzia minha indignação, as questões de política e o comportamento da minha geração. Como virginiana, outra coisa que me interessava muito é a sua obsessão pelo trabalho. Eu também tenho isso e o filme me ajudou a entender. A terceira é a sua radicalidade e a eterna insatisfação. Mesmo tendo que produzir diariamente novas charges e tirinhas para várias mídias, ele exige de si mesmo renovação constante.
Blog 7em1: E como ele reagiu à proposta de ser tema de um documentário?
Beth Formaggini: Ele aceitou rápido. Fui apresentada a ele por outro cartunista, meu amigo. Isto facilitou muito. A gente teve uma sintonização imediata. Foi fácil embora todos me dissessem que seria muito difícil. Ele não gosta muito de aparecer, mas eu dei um filme meu pra ele e pedi que assistisse e depois me desse a resposta. Acho que ele sacou que não era um retrato superficial. Aliás, ele teve muita sorte com o Dossiê Rebordosa e o filme do Otto Guerra – Sexo, Orégano e Rock&roll. A gente conversou bastante e até chegar ao filme levei uns sete anos captando recursos e pesquisando muito.
Blog 7em1: Sobre o quê vocês conversaram?
Beth Formaggini: A conversa com Angeli girou em torno da mudança no seu trabalho a partir de uma crise que foi acentuada pela perda do filho de Laerte num acidente. Esta dor potencializou nos dois um desejo de mudança. Angeli conversou sobre a insatisfação como criador, o assassinato de seus personagens e a busca de uma nova linguagem abandonando os traços caricaturais e assumindo uma tirinha em que a piada não é o mais importante e sim a ideia. Tentei retratar mais esta nova fase do artista. A ideia era que ele entrasse na projeção, que passaria a tatuar seu corpo deixando sua silhueta na tela. Ali Angeli comentaria a sua obra e poderíamos ver claramente nas tiras escolhidas as transformações no seu trabalho.
Blog 7em1: De que forma você colocou a estética do trabalho de um cartunista no filme? Quais elementos gráficos foram transportados para a tela de cinema?
Beth Formaggini: Fizemos uma intervenção na cidade de São Paulo durante 24 horas com três equipes trabalhando simultaneamente. A primeira equipe fez o registro em plano fixo e frontal da esquina Bar Estadão: imagens de banca de jornal e do cotidiano de rua movimentada refletida na porta de vidro do bar. A segunda fez o registro em plano fixo e time lapse de prédios, ruas e viadutos, carros num plongé do skyline de São Paulo feito com uma câmera Cannon 5D de cima de um prédio. A terceira saiu em busca dos personagens de Angeli, principalmente, os anônimos retratados nas tirinhas da República dos Bananas. Fizemos retratos dos personagens olhando para a câmera por dois minutos. A edição destas imagens aceleradas da cidade deveria criar no espectador a sensação dos fluxos de pensamentos e sentimentos que passam pela cabeça do artista durante o seu processo de criação. Na edição, usamos esta cidade acelerada no cenário gráfico das três telas do estúdio como se fossem três tirinhas. Criamos uma montagem semelhante à dos quadrinhos com uma luz muito gráfica e um cenário que se apropriava do cenário das tiras dele, usando o halo atrás dos personagens escaneados das tiras do próprio Angeli. Ele se expõe em carne viva na série Angeli em crise, que foi nosso fio condutor. Buscamos a radicalidade que está expressa em sua obra e que faz o público gargalhar e refletir, se horrorizar ou se identificar. Rir das suas fraquezas e de suas mazelas, confrontar-se com elas.
Blog 7em1: Qual foi a reação do Angeli ao ver o filme?
Beth Formaggini: Ele bateu palmas e perguntou: “Quanto é que eu tenho que te pagar?”. Foi hilário. Eu estava muito ansiosa, mas ele gostou do filme. O Laerte também. Isso me deu um alívio muito grande.
Blog 7em1: O filme passou por vários festivais aqui no Brasil. Ele inclusive ganhou prêmios. Como o público reagiu?
Beth Formaggini: O público fica muito pilhado. Ri muito, pois o personagem é um performer. Ele tem um timing muito bom pra piada e a galera fica contagiada com o furor da cabeça frenética, inquieta e eternamente insatisfeita do personagem. As pessoas vêm falar comigo muito entusiasmadas. Ganhamos vários prêmios em festivais: Prêmio Melhor DOC Festival do Júri Popular 2011 que foi votado em 22 cidades brasileiras; Prêmio Melhor Filme Festival do Júri Popular 2011 votado no Rio de Janeiro; Melhor doc na Jornada da Bahia; Melhor Direção no CURTASE, em Sergipe; Prêmio PORTACURTAS de aquisição em Goiânia. Fomos selecionados para o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2010, o Cine Documenta em Ipatinga MG , o DOKANEMA 2011 de Moçambique entre outros.
Blog 7em1: O público da Rio Comicon seria mais exigente por ser mais interessado no universo do cartunista? Quais são suas expectativas com a exibição do filme nessa mostra?
Beth Formaggini: Estou muito ansiosa porque tem um seminário com pensadores da linguagem dos quadrinhos e fãs. No HQMIX, tinha muito cartunista e fiquei pilhada. Mas eles gostaram e vieram elogiar depois.
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A Rio Comicon ainda marca o lançamento do filme em DVD. No Rio, ele estará à venda em todas a filiais da Livraria Travessa e na Livraria Luzes da Cidade do Espaço Sesc de Cinema, em Botafogo. Em São Paulo, na HQMIX Livraria, na Praça Franklin Rossevelt. E em Brasília, no Sebinho.
Angeli 24h horas ainda será exibido no Festival Aruando de João Pessoa, no Festival de Cuiabá, no Curta Cinema do Rio e em dois festivais portugueses. Pelo Porta Curtas, o documentário entrará em breve na internet.
Até a próxima semana!
* por Luiza Andrade
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