Literatura: O suposto racismo na Obra de Monteiro Lobato

Afinal, havia racismo ou não na obra de Monteiro Lobato?

Recentemente começou um burburinho em torno dos livros infantis de Monteiro Lobato. Segundo alguns estudiosos, a obra do autor está repleta de passagens que, se não são explicitamente racistas, ao menos difamam a imagem dos negros e incentivam indiretamente as crianças a terem um comportamento discriminatório. Tudo começou quando Antonio Gomes da Costa Neto, servidor da Secretaria de Educação do Distrito Federal, denunciou que havia trechos no livro Caçadas de Pedrinho que remetiam ao preconceito racial. Trechos como “Tia Nastácia trepou na árvore feito uma macaca” e “nem Tia Nastácia que tem carne preta” foram considerados ofensivos.

O caso acabou ganhando força e muito se falou sobre banir os livros do Sítio do Pica-pau Amarelo das escolas como tentativa de coibir o racismo. O Conselho Nacional da Educação (CNE) chegou a cogitar a reedição das obras de Lobato para suprimir as frases consideradas vexatórias. Conforme afirmado em matéria da Revista Época, o próprio Ministro da Secretaria de Igualdade Racial, Eloi Araújo, concorda que há preconceito no conteúdo de Lobato. Segundo ele, “ainda que não leve uma criança a desenvolver comportamentos racistas, ele fere a autoestima dos negros”. Nem por isso ele é a favor do boicote à obra do autor, já que, na mesma entrevista, Araújo afirma que “o debate é saudável”, já que não se pode negar nosso passado de escravidão.

Polêmicas à parte, concordo que deve haver debate, mas discordo completamente do veto à obra de Monteiro Lobato ou de quem quer que seja. Por mais clichê que possa parecer, esse tipo de coisa sempre soa para mim como censura, não tem jeito. Acho que é muito complicado você proibir alguma coisa, principalmente no que se refere a livros. Posso até estar sendo ingênua, mas sou da teoria de que “ruim com eles, pior sem eles” nestes casos, sabe? Até porque estamos falando de livros infantis, e muitas crianças têm seu primeiro contato com a leitura através das personagens do Sítio.

Honestamente, creio que criança não vê maldade nas coisas, como nós adultos, e me custa crer que alguém vá desenvolver um comportamento preconceituoso somente por ter lido um livro de teor controverso. Esta parece ser, também, a opinião do psicólogo Mario Corso, autor de Fadas no Divã, que afirmou à Época que “se ela (a criança)se tornar mesmo racista, não será por causa da literatura, mas por causa dos pais ou do ambiente”.

É claro que você pode argumentar que eu não sou negra e, portanto, não estou apta a opinar sobre questões de preconceito racial. Então, vou abrir um parêntese e contar que, apesar de ser mulher E feminista, eu também discordo totalmente toda vez que alguém fala em tirar do ar um comercial por, supostamente, ter conteúdo sexista. Todos lembram daquele bafafá envolvendo a Hope e a Gisele Bündchen, que acabou não dando em nada, né? Pois bem, apesar de achar o anúncio imbecil, eu achei um absurdo a possibilidade do CONAR proibí-lo, não porque eu sou publicitária, mas porque acredito que não é esse tipo de coisa que prejudique a imagem da mulher.  O mesmo vale para Monteiro Lobato e seu suposto racismo.

O que eu acho é que estamos vivendo uma onda “politicamente correta” que me dá certa preguiça. Tudo é ofensivo, tudo fere os direitos de alguma minoria (ou maioria, vai saber), tudo é considerado bullying. Outro dia vi um blog que falava sobre o machismo nas letras dos Beatles e, sinceramente, acho que é o mesmo caso de Monteiro Lobato. Tanto os Beatles como Lobato falavam sobre épocas distintas, e retratavam os hábitos da sociedade naquele momento. O contexto social era diferente, e é preciso entendê-lo para evitar exageros.

É lógico que o Brasil tem uma história de escravidão, e é lógico que antigamente o preconceito racial não era tão reprimido como, felizmente, é hoje. Então, é natural que obras mais antigas contenham um linguajar que, nos dias atuais, possa ser considerado ofensivo. Veja bem, não estou afirmando que não havia racismo nos livros de Monteiro Lobato. O que estou dizendo é que não vejo muito sentido em começar uma caça às bruxas por causa de expressões usadas em livros infantis e que sequer são explicitamente discriminatórias.

Para fechar, quero ressaltar que esta é a minha opinião e que eu não sou a dona da verdade. Obviamente sou contra qualquer tipo de preconceito e não acho que a cor da pele de uma pessoa defina seu caráter. Acredito que o debate é essencial e que, desde cedo, é importante conscientizar as crianças, mostrando a elas que somos todos iguais e que discriminar o coleguinha (seja ele negro, gordo, de óculos ou whatever) não é um comportamento aceitável. Para mim, os livros de Monteiro Lobato não devem ser retirados das bibliotecas das escolas mas, nas salas de aula, as professoras devem estimular uma leitura crítica dos títulos. A UNICEF, inclusive, criou uma campanha chamada “Por uma Infância sem racismo”. A iniciativa é muito legal e vale a visita ao blog da campanha.

E você, concorda comigo ou acha que eu falei um monte de besteira? Sei que é um assunto polêmico, então opiniões são super bem aceitas nos comentários, viu? 😉

Referências para este post:

Revista Época: Monteiro Lobato merece ser censurado?

G1: CNE quer que Monteiro Lobato com trechos racistas tenha nova edição

Revista Fórum: Monteiro Lobato: Racismo e Nacionalismos

8 thoughts on “Literatura: O suposto racismo na Obra de Monteiro Lobato

  1. É engraçado esse ponto de “gerar polêmica”, porque, honestamente, tudo gera polêmica nos dias de hoje. Quando é importante pra fulano ou cicrano, com certeza, se tornará polêmica. Agora, sobre o assunto, vamos combinar… Meu pai cresceu assistindo e lendo O Sítio do Pica-Pau Amarelo e é uma das pessoas mais abertas a diferenças e menos preconceituosas que conheço. Não vão ser umas poucas linhas, num emaranhado de situações que uma criança vive, que irão faze-la tornar-se preconceituosa. Educação e menos frescura (ou censura) é o que esse pessoal tem que procurar dar às nossas crianças.

    • Concordo plenamente. Estamos vivendo dias muito politicamente corretos hoje em dia, me canso. Eu vou confessar com muita vergonha que nunca li Monteiro Lobato, mas dei uma olhada no que eles consideraram racista e eu achei bem discutível, viu?

  2. Leio Monteiro Lobato desde os meus 10 anos, ou seja, há 12 anos. E durante todos esses anos, nunca considerei sua obra racista. Em todas as vezes que li os livros, estava muito mais interessada na história do que na terminologia, supostamente, racista. “Isso” sempre passou batido – sempre considerei a Tia Nastácia amada pelas crianças e uma personagem muito forte e importante na história.
    Mesmo que houvesse racismo isso não deveria ser impedimento para a circulação da obra. Ou então deveriam ser impedidas a circulação de obras como “Dom Casmurro” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, pois incentivaria os jovens a serem infiéis. Ilógico, não é mesmo? Até porque um autor escreve refletindo a ideologia de sua época, conscientemente ou não.
    Sem contar que estamos caindo no velho erro de condenar uma pessoa por um erro e desconsiderar tudo de positivo que essa mesma pessoa fez – e todos sabemos que a contribuição de Monteiro Lobato é imensa.
    Detalhe: sou afrodescendente.

    • Concordo com você! É preciso diferenciar a obra do artista. O cara pode até não prestar, mas ter escrito algo que fez uma super diferença para literatura, não é?

      E, cá entre nós, o mundo está ficando muito politicamente correto…

  3. O contexto no qual uma obra de arte é produzida influencia, e muito, na sua concepção. Quando Lobato escreveu essas histórias, esses termos eram mais “aceitáveis”, obviamente, e não possuíam essa conotação ruim que tem hoje. Não acredito que Lobato escreveu dessa forma para denegrir a Tia Nastácia ou para inferiorizar o negro. Ele simplesmente escreveu dentro do contexto da sua época, do jeito que as pessoas falavam e liam no Brasil daquele tempo. As pessoas muitas vezes não tem essa visão e julgam um produto cultural antigo pelos critérios de hoje.

    Querer reeditar a velha obra de arte para ser mais palatável às sensibilidades modernas é CENSURA, não há outro nome pra descrevê-lo. Em “1984”, de Orwell, uma das maiores iniciativas do Grande Irmão era reescrever a língua e mudar as palavras, lembram? As obras de arte do passado nos permitem, entre outras coisas, estudar o passado e assim devem ser mantidas.

    • Concordo com quase tudo (excetuando a parte que você fala sobre as intenções do autor que, ao meu ver, queria denegrir – ou dar comicidade a partir de premissas racistas – Tia Nastácia).

      Acho que sabendo que Monteiro Lobato era racista (declarações em jornais da época e O Presidente Negro evidenciam isso), seria sábio se os educadores e pais usassem passagens questionáveis para explicar e discutir o tema com os pequenos.

  4. Concordo plenamente. Para mim, é a mesma coisa que fizeram quando queimavam livros pelos conteúdos inadequados aos preceitos religiosos pregados na Idade Média.

    • Olá Rhayane,
      concordo com você e com o @dantasst. Censurar o que já está escrito é a mesma coisa que queimar ou criar uma lista de livros proibidos. Acho que Caçadas de Pedrinho deve servir de debate sobre o preconceito, um tema super importante a ser tratado desde a infância. Quer lugar melhor que a escola para isso?
      Abs,
      Amanda Borges (equipe 7em1)

Deixar mensagem para Rhayane Cancelar resposta