Nos primeiros dez minutos do filme, vemos o protagonista, Brandon, tendo um rápido orgasmo com uma mulher, observando uma garota de programa tirar a roupa, masturbando-se no banheiro da empresa onde trabalha e preocupando-se com seu computador na manutenção da firma (por causa da pornografia armazenada no HD). No metrô, ele trava contato com uma bela mulher, e seu olhar intenso termina por despertar nela um misto de excitação e medo. A moça fica tão perturbada que praticamente foge dele quando as portas do vagão se abrem.
Compulsivo sexual, interpretado por Michael Fassbender, Brandon é uma das figuras mais intrigantes e atormentadas do cinema recente. Apesar disso, a vida de Brandon prossegue normalmente. É bem sucedido em seu emprego, é bonito e tem dinheiro. As coisas se complicam mesmo quando sua irmã, Sissy (Carey Mulligan) aparece no meio da noite no apartamento dele, pedindo para ficar por alguns dias. Sissy é depressiva e tem variações de humor – uma pessoa problemática em vários aspectos, como o irmão. A presença dela o perturba, de maneiras que nós, o público, apenas podemos imaginar – e o conflito entre os dois leva o vício de Brandon a fugir do controle.
O olhar clínico e frio de McQueen, sem julgamentos, também contribui para o impacto de “Shame”. A abordagem do diretor é feita para causar desconforto, com longas tomadas, enquadramentos estranhos (uma discussão entre Brandon e Sissy, por exemplo, é filmada por trás, enquadrando as nucas dos atores) e movimentos de câmera muito bem estudados. A fotografia em tons frios e o trabalho sonoro seguem essa mesma filosofia. A cena do jantar é emblemática: Brandon, numa tentativa de estabelecer um relacionamento normal, aceita jantar com uma colega de trabalho. A conversa do casal é filmada num longo take, no qual a câmera se aproxima lentamente da mesa, e o desconforto do protagonista é ressaltado pelo movimento da câmera – ele parece totalmente desinteressado em tentar estabelecer uma conexão com alguém. Outro momento brilhantemente filmado ocorre num clube noturno, quando Sissy interpreta de maneira triste a canção “New York, New York”, e é assistida por Brandon e um amigo.
Toda essa proficiência técnica está a serviço do drama do protagonista. A “vergonha” do título original em inglês é experimentada por Brandon, já que Steve McQueen deixa os julgamentos morais para o espectador. “Shame” é uma experiência cinematográfica impressionante e, graças à atuação de Michael Fassbender, também comovente. É um olhar sem retoques ou enfeites sobre a humanidade, e sobre até onde podemos ir para fugir de sentimentos verdadeiros e destruir a nós mesmos.
Cotação: ★★★★★ Excelente