Adaptado do primeiro livro da trilogia literária Millennium do autor sueco Stieg Larsson, Os Homens que Não Amavam as Mulheres marcou o retorno do diretor David Fincher ao suspense. Agora que o filme finalmente chega às lojas, vale a pena rever e prestar atenção na polêmica protagonista feminina da história.
Na história, o jornalista Mikael Blomkvist (vivido por Daniel Craig) se mete numa enrascada. Uma denúncia infundada se volta contra ele, e sua carreira entra em risco. Para desaparecer da mídia por um tempo, ele aceita uma proposta intrigante: viajar para uma ilha e investigar um crime ocorrido em 1966 – o desaparecimento de Harriet Vanger.
Quanto mais ele conhece a historia da família Vanger e se aproxima da solução do mistério, mais a vida de Mikael passa a correr perigo. A única pessoa que pode ajuda-lo é a hacker profissional Lisbeth Salander (Rooney Mara). Lisbeth é uma figura completamente singular. Não tem nenhuma habilidade social, não parece gostar de ninguém, é coberta de peircings e tatuagens e experimentou um histórico de abusos em sua vida.
A história desvendada por Mikael e Lisbeth tem a violência contra a mulher como componente básico. Na verdade, se existe um “tema” para o filme é este, e não está presente apenas na trama, mas também na própria caracterização da protagonista feminina.
O cotidiano dela é uma série de internações e prisões. O oficial de justiça, supervisor do caso dela, a chantageia e posteriormente a estupra. Essa experiência, para ela, é só mais um sofrimento de vários em sua vida, mesmo que para nós, espectadores, seja chocante. Então percebemos que a personagem tira sua força das violências e privações que experimenta. Ao invés de se tornar uma vítima, ela revida sem piedade quando atacada.
Assim, o filme acaba expondo a mudança pela qual passou o papel da mulher dentro do gênero suspense, onde elas quase sempre são as vítimas. Hoje, a plateia espera figuras femininas fortes, e é curioso que ainda existam poucas. É possível revidar e ser tão forte quanto o homem. De fato, após Mikael e Lisbeth se encontrarem depois de mais de uma hora de filme, quando então resolvem unir esforços, ela salva a pele do protagonista masculino. Não deixa de ser irônico ver Craig, acostumado aos papéis de herói, ser resgatado pela “mocinha”.
O roteiro faz de Lisbeth uma personagem complexa. Suas tatuagens e piercings revelam suas tendências masoquistas. Nem sua sexualidade é definida: ela é lésbica? Bissexual? Chega mesmo a se apaixonar por Blomkvist? A atuação sempre forte de Rooney Mara (descoberta por Fincher no seu filme anterior, A Rede Social) faz jus à complexidade do papel e a torna uma pessoa real. Merecidamente foi indicada ao Oscar pela atuação. Claro que muito da força da personagem vem da sua fonte literária, entretanto isso não tira o mérito desta poderosa interpretação cinematográfica.
Numa história em que tantas mulheres são torturadas e mortas, Lisbeth demonstra que elas também podem ser poderosas. Essa personagem não fica com o príncipe encantado – e nem precisa dele. Ao final temos a sensação de que ela gostaria que sua vida fosse diferente, mas não é, e ela não se lamenta por isso. Sua luta, ao lado de Mikael, é a luta por justiça para todas as mulheres da trama. Mas ela não quer só justiça, quer algo a mais… Ela é a representante máxima de uma nova tendência para as personagens femininas, especialmente neste tipo de filme. Com ela, não se brinca.