É uma história antiga e clichê: um cidadão é apresentado a uma obra de arte que o provoca e revolta, e decide iniciar uma cruzada contra a obra. Aconteceu de novo, e um foi um dos fatos recentes mais curiosos no Brasil. O deputado Protógenes Queiroz, do PCdoB (SP), foi assistir ao filme Ted no cinema acompanhado do seu filho e ficou revoltado com o que viu. Agora, deseja proibir a exibição do longa-metragem em todo o país.
Para quem não sabe, Ted conta a história da amizade entre John, interpretado pelo ator Mark Wahlberg, e seu companheiro Ted, um urso de pelúcia falante, preguiçoso e desbocado. John, quando criança, fez um pedido: sentindo falta de um amigo, ele desejou que seu urso de brinquedo ganhasse vida. Porém, aos trinta anos, John começa a perceber que a relação com Ted está atrapalhando a sua vida e o impede de entrar firmemente na idade adulta.
Ted é a estreia na direção de Seth MacFarlane, o criador do desenho animado Uma Família da Pesada, conhecido pela acidez de sua sátira. Certamente, o deputado Protógenes, como a imensa maioria das pessoas que vai ao cinema, escolhe o filme enquanto está na fila e baseia-se apenas no cartaz ou no título. Assim, ao ver no cartaz um urso de pelúcia animado, ele imaginou, na hora, que seria um filme para crianças.
Entretanto, se tivesse prestado atenção na classificação etária – Ted recebeu recomendação para que apenas maiores de 16 anos o assistissem – Protógenes teria percebido que não se tratava de nenhuma história inocente, feito as do ursinho Pooh. Logo, ele viu-se constrangido por ter exposto o filho de onze anos a uma obra de ficção feita para chocar e provocar o riso através do absurdo. Na história, o urso fala palavrões, fuma maconha e é visto com várias mulheres.
Mas esse espírito de comédia passou longe da compreensão do deputado, também delegado da Polícia Federal e conhecido pelo seu envolvimento na “operação Satiagraha”, aquela que envolveu e investigou o banqueiro Daniel Dantas, em 2008. Aparentemente, demonstrar bom humor não é com o deputado: “Fiquei chocado e indignado com esse filme. Ele passa a mensagem de que quem consome drogas, não trabalha e não estuda é feliz. (…) Não poderia ser liberado nem para 16 nem para 18 anos. Esse filme não pode ser liberado para idade nenhuma. Não deve ser veiculado em cinemas”.
No melhor espírito de alguém que parece sentir saudades dos tempos da ditadura e da censura do regime militar, Protógenes quer determinar o que você, eu e os demais brasileiros podemos ver nos cinemas. Nosso ilustre deputado se julga um verdadeiro guardião do bom gosto cinematográfico brasileiro e, pelo visto, esqueceu-se de uma coisinha chamada “liberdade de expressão”.
Já que não gostou de Ted, talvez alguém pudesse enviar para ele um DVD do filme O Povo Contra Larry Flynt, produção de 1996, dirigida por Milos Forman, cujo tema central é justamente a luta pela liberdade de se expressar e ouvir as opiniões alheias. Baseado numa história real, o filme conta a história de Larry Flynt, criador da polêmica revista Hustler, cujas fotos de mulheres nuas escandalizaram a puritana sociedade americana dos anos 70.
O advogado de Flynt no filme, Alan Isaacman, resume melhor a ideia por trás da liberdade de expressão do que eu jamais poderia, por isso vale a pena citar o diálogo do filme:“Gosto de viver num país onde podemos decidir por nós mesmos. Gosto de viver num país onde posso pegar a revista Hustler e lê-la, se eu quiser, ou jogá-la no lixo, se achar que lá é o seu lugar. Ou melhor ainda, de poder exercer minha opinião e não comprá-la. Gosto de ter esse direito. Me preocupo com ele. E vocês deveriam se preocupar também”.