Tradição, às vezes, se transforma num gesso, imobilizando qualquer produção artística. Os filmes de James Bond são exemplo disso. Os produtores da série descobriram “a fórmula” ainda nos anos 60 e passaram décadas seguindo-a religiosamente, contentando-se apenas em adaptá-la às novas gerações. As poucas tentativas de romper com a fórmula foram recebidas com estranheza pelo público.
Em 2006, contudo, como numa mesa de pôquer, chegou a hora de arriscar. Os produtores Barbara Broccoli e Michael G. Wilson decidiram voltar ao começo de tudo, o primeiro livro de Bond escrito pelo seu criador Ian Fleming, e escolheram um ator que ninguém esperava para o papel do agente secreto. O excelente 007: Cassino Royale (2006) foi o mais excitante filme de James Bond desde os primeiros dos anos 60, ainda com Sean Connery, e consagrou Daniel Craig como protagonista.
O seguinte, 007: Quantum of Solace (2008), foi apenas mediano, mas demonstrou que agora a série se arriscava, e se mostrava disposta a produzir filmes realmente imprevisíveis. Depois de um hiato de quatro anos necessário para uma “arrumação de casa” no estúdio MGM, Daniel Craig retorna com 007: Operação Skyfall, e comemora os 50 anos de James Bond no cinema.
Na primeira tomada, uma silhueta sai das sombras e caminha em direção à tela. Os acordes na trilha sonora nos indicam que se trata de James Bond, numa nova missão. Skyfall começa, como é de praxe na série, com uma sequência de ação espetacular em Istanbul. Uma lista com os nomes dos principais agentes ocidentais é roubada, Bond é dado como morto, e o MI6, o Serviço Secreto Britânico, passa a ser atacado.
Bond reaparece para ajudar M (Judi Dench), a sua chefe (e algo próximo de uma mãe para ele, que é órfão). Sua busca o levará a Hong Kong, Macau e de volta à Inglaterra e à Escócia, a terra de seus antepassados, enquanto ele enfrenta o plano de vingança de Raoul Silva (Javier Bardem). Suas aliadas serão Eve (Naomi Harris) e Séverine (Bérénice Marlohe), além do novo “Q”, o fornecedor de equipamentos do MI6, interpretado por Ben Whishaw.
No comando de Skyfall está o cineasta Sam Mendes, o primeiro diretor vencedor do Oscar a dirigir um filme de Bond. O realizador do excepcional Beleza Americana (1999) levou para 007 a sua tradicional equipe: o compositor Thomas Newman, o designer de produção Dennis Gassner e o diretor de fotografia Roger Deakins. Mas acima de tudo, Mendes trouxe uma atitude ousada para com o material. Skyfall, nas mãos de Mendes, mantém a levada mais realista dos anteriores com Craig, porém possui mais humor, uma excelente condução de atores e uma disposição de nunca fazer o óbvio.
Craig, Dench, Harris e Whishaw brilham. Dench tem aqui a sua melhor participação em toda a série, e a trama faz de M o foco da história. Craig é o dono do papel agora, o legítimo sucessor de Sean Connery e o mais próximo do Bond de Ian Fleming já visto até hoje. E Bardem faz um dos grandes vilões da série. Silva é louco, aparentemente bissexual (chega a flertar com Bond) e consegue ser ao mesmo tempo infantilizado e perigoso – mais uma grande criação do ator.
As cenas de ação, a fotografia e a trilha sonora não são excelentes. E as referências ao passado de Bond, bem como os elementos clássicos de 007 presentes na história (o Aston Martin, as mulheres seduzidas) fazem a alegria dos fãs. Os produtores tiveram a coragem de despir os filmes de apetrechos e tiques que muitas vezes se mostraram supérfluos, e retornaram ao básico. Esse é o paradoxo de Bond. Quanto mais velho, quanto mais próximo do estilo daqueles primeiros filmes e livros, mais moderno o personagem parece.
Cotação: ★★★★ Muito Bom
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