Esta semana, eu decidi fazer uma coisa atípica (é sempre bom sair da rotina) e resenhar dois livros “eróticos”, de autores nacionais: A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, e O Monstro, de Sérgio Sant’Anna.
As resenhas – vou dividi-las em duas partes – tiveram três motivações: primeiro, funcionam como uma espécie de feedback ao post da Bruna, publicado no blog semana passada; depois, carregam uma certa dose de reflexão sobre este momento tão “excitante”, que me parece estar vivendo o leitor brasileiro; além de ser uma justa homenagem aos nossos escritores, que quase nunca dão o ar da graça por aqui.
Vamos começar então com A Casa dos Budas Ditosos. O livro faz parte da série Plenos Pecados, da Editora Objetiva. Para cada um dos pecados capitais foi um escolhido um autor famoso, entre eles, Luís Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura e o próprio João Ubaldo Ribeiro, encarregado de falar sobre a luxúria. Contudo, o texto de João Ubaldo não é 100% autoral, como ele mesmo revela no livro:
“… os originais (…) foram entregues por um desconhecido ao porteiro do edifício onde trabalho, acompanhados de um bilhete assinado pelas iniciais CLB. Informava que se trata de um relato verídico, no qual apenas a maior parte dos nomes das pessoas citadas foi mudada, e que sua autora é uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro. Autorizava que os publicasse como obra minha, embora preferisse que eu lhes revelasse a verdadeira origem.”
Para quem aprecia o gênero erótico, a obra é um relato em primeiríssima pessoa de uma mulher que procurou levar a vida ao ápice do prazer. Desbocada, irônica, libertina; CLB, como ela mesma se apresenta, convida o leitor a deixar de lado o pudor e acompanhar em detalhes riquíssimos suas experiências sexuais. A narrativa amadurece junto com a protagonista, começando pela transa com um “negrinho da fazenda do avô”, ainda na adolescência; passando pelo desvirginamento com o professor de direito; o casamento aberto; as casas de swinge; até a paixão ardil por uma aeromoça.
Porém, como foi dito anteriormente, trata-se das memórias de uma mulher de 68 anos (o livro é de 1998) que viveu o auge dos anos 60, com toda aquela coisa da liberalização das drogas, do sexo, da experimentação etc. Fora de contexto, não sei se o livro hoje teria a mesma repercussão, apesar reconhecer que certas passagens continuam polêmicas. Numa sociedade onde o incesto é considerado tabu, assunto proibido, no mínimo, daria o que falar uma mulher confessar que desde jovem transava com o irmão mais velho e que se arrependeu de não ter “comido” (palavras dela!!) o próprio pai.
Passada as primeiras impressões, por trás de todo o erotismo, da sexualidade levada ao extremo, a obra está impregnada de um forte teor filosófico. Num dos trechos, a personagem diz: “A vida é foder”, no melhor estilo schopenhaueriano. E por acaso não foi o maior pessimista de todos os tempos que reduziu a vontade de viver ao ato de procriação e à busca pela satisfação das necessidades corporais? Pra quem acha que estou viajando muito, o livro é cheio de referências intelectuais a Sartre, Lacan, entre outros.
Algo que me incomodou em A Casa dos Budas Ditosos foi a edição do texto. A fim de manter-se fidedigno aos originais, João Ubaldo preservou inúmeros erros de português, além de marcas da oralidade. Mesmo intencional, em alguns momentos, o recurso deixou a leitura densa, contrariando a leveza como os casos são narrados. Mas nada que prejudique a concepção da história.
Acredito que uma das razões para o sucesso da literatura erótica reside na curiosidade das pessoas em saber se os seus desejos mais íntimos, e por que não obscenos, também são partilhados pelos outros. Ou ainda, como provoca o escritor Sérgio Sant’Anna, curiosidade em descobrir o que acontece quando nossos desejos ditam as cartas do jogo. Mas isso a gente conversa no próximo post… Aguarde!
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