Por que a crítica literária odeia tanto a obra de E. L. James? Eu mato a charada: despeito, inveja. Puro preconceito. Sei a afirmação é polêmica, mas não vejo outra razão para tantos comentários negativistas em relação à trilogia Cinquenta Tons de Cinza. Na verdade, acho que os livros têm seus méritos sim e, mesmo correndo o risco de ser apedrejada, vou expô-los aqui.
Confesso que num primeiro momento, o trabalho de E. L. James não despertou meu interesse. Para mim, tratava-se apenas de mais uma daquelas esquizofrenias, em que a opinião do público e da crítica caminham separados. Porém, um fato curioso fez com que eu revisse a minha postura.
Estava aguardando o embarque do ônibus da 1001, na rodoviária Novo Rio, quando olhei para o lado e vi uma senhorinha, no melhor estilo dona Benta, atenta à leitura de um livro que ela tentava inutilmente manter firme entre duas mãozinhas trêmulas e enrugadas. Quando ela se levantou, não pude conter um riso ao ver a gravata cinza de Sr. Grey, que ilustra a capa do primeiro volume da série.
É claro que nesse instante, a minha mente satânica deu um salto de quinhentos mil metros e fiquei imaginando aquela senhora de sorriso discreto usando máscara, portando chicotes e algemas; pronta para embarcar numa aventura erótica dexambida. (rsrs) Com todo respeito, claro. E pensei: definitivamente, eu tenho que comprar esses livros. Acabei pagando R$70 pela trilogia, numa promoção da Submarino, e não me arrependi.
A primeira crítica que se faz à autora diz respeito a sua pobreza vocabular. Como li a tradução, não posso opinar sobre o assunto. Ainda sim, vou sair em defesa dela. E. L. James trabalhou durante anos como executiva de TV. Para quem não é do ramo, a televisão impõe aos profissionais uma linguagem ágil – já que ela sempre deve estar associada às imagens – e ao mesmo tempo pouco detalhista, pois as imagens do vídeo falam por si só.
Esse é um dos grandes pontos fortes da trilogia. Os textos são constituídos basicamente por diálogos e não consomem o tempo dos leitores com narrativas minuciosas. É o tipo de literatura que soube se adequar ao drama da atualidade: a falta de espaço cada vez mais constante que as pessoas têm para se dedicar aos seus hobbies.
Se você estuda, trabalha e ainda precisa conviver com a família e os amigos, quantas semanas precisaria para terminar um livro de 500 páginas? Muitas, certamente. A boa notícia é que cada um dos livros de E. L. James podem ser devorados em um dia, tipo num domingo chuvoso de descanso. Nada que comprometa sua rotina. Ponto para a autora. E se por algum motivo você interromper a história, não corre o risco de se perder na leitura, simples e com poucos personagens.
Aliás, esse é um dos calcanhares-de-Aquiles da trilogia: a falta de uma trama paralela. Sinceramente, eu acho essa uma das ideias mais estapafúrdias que já ouvi. Quem disse que um bom livro precisa ter uma trama paralela? Em que manual do bom livro está escrito isso? Engana-se quem pensa que uma trama rocambolesca é garantia de sucesso.
Para dar um exemplo, vale citar O Cemitério de Praga, de Umberto Eco. No ano passado, quando o livro foi lançado no Brasil, figurou por várias semanas na lista dos mais vendidos. E só vejo uma explicação para tanto: muita gente, inclusive eu, comprou o livro embarcando no sucesso de O nome da rosa. Decepção total. Ainda hoje fico me perguntando se Umberto Eco é de fato o autor. Saravá, é ruim demais! O negócio é tão confuso que foi preciso publicar um capítulo só com esclarecimentos sobre o texto. A confusão entre os personagens é tamanha que a edição recorreu a fontes diferentes, inclusive em itálico, para distinguir quem era quem na história.
Já a trilogia Cinquenta Tons de Cinza se resume numa questão: será que o romance entre o sádico Sr. Grey dará certo com a inocente Sra. Steele? Ele abandonará velhos hábitos por ela? Ela tentará se adaptar ao universo dele? Eles tentarão mudar um ao outro ou a coisa simplesmente não vai engrenar? Só lendo para saber. Mas é o tipo de questão que pode surgir em qualquer relacionamento, daí a empatia provocada pelos personagens.
Contudo, o grande mérito da trilogia está no bom-senso da autora em arriscar-se num simples feijão com arroz. Marinheira de primeira viagem, E. J. James pegou todos os clichês do universo feminino, deu uma boa temperada com pitadas de sexo – ou pimenta malagueta , se você preferir – e criou uma receita de sucesso que a fez ficar conhecida no mundo todo. Não à toa, há cada vez mais fã-clubes de mulheres apaixonadas pelo charmoso Sr.Grey, e homens cada vez mais preocupados em como satisfazer suas parceiras.
Talvez, o maior pecado de E. L. James tenha sido em criar uma obra popular. Reza a lenda que aqui no Ocidente reina a cultura de que tudo que é massivo seja necessariamente ruim. Tenho minhas dúvidas. Mas encaremos os fatos: até Nietzsche começar a se interessar pelas tragédias gregas, Sófocles era considerado um artista inferior. Hoje, quantos não poupam elogias à Antígona ou a Édipo-Rei?! O tempo muda tudo. Talvez mude também para Cinquenta Tons de Cinza. Ou quem sabe já mudou.
Reportagem publicada pelo Diário de Pernambuco em 04/12/12:
O fenômeno literário 50 tons de cinza ganhou o prêmio de livro do ano do Reino Unido. O livro de EL James, classificado pela crítica como “pornô para mamães”, recebeu a condecoração nesta terça-feira e desbancou como principais concorrentes os autores Bernard Cornwell (com a novela 1356) e Kate Moss (Citadel) na categoria ficção. A trilogia de EL James figura entre as obras mais vendidas da história do Reino Unido. O primeiro livro da descoberta sexual (e sadomasoquista) de Anastasia com o senhor Grey bateu a casa de 5,3 milhões de exemplares vendidos. Foram mais de 20 milhões de cópias comercializadas pelo mundo. No Brasil, a obra chegou a se manter entre as mais vendidas do mercado. O prêmio conquistado neste ano já agraciou O código da vinci, O diário de Bridget Jones e Harry Potter e o enigma do príncipe.