Não espere magia nem um final feliz. Em Morte Súbita (Ed. Nova Fronteira), J.K.Rowling mostra como sabe ser cruel. Rowling não estava pensando em agradar os jovens leitores dos primeiros livros, nem os já grandinhos, que dizem ter começado a ler graças à história do bruxo. Pelo contrário, ela teceu um retrato por vezes cruel da sociedade suburbana inglesa. Seguindo um estilo ácido, que em momentos fazia lembrar os americanos Philip Roth e Jonathan Franzen – mas sem conseguir alcançar o mesmo nível de maestria, devo reconhecer -, Rowling fez um livro atual e adulto.
O mundo “dos trouxas” não é tão envolvente e encantador quanto o mundo mágico do qual Harry Potter fazia parte. Isso, porque ele é habitado por pessoas egocêntricas, mesquinhas, esnobes e preconceituosas, e, como tal, rendem histórias banais. Sob a narrativa de Rowling, no entanto, suas vidas são contadas com humor-negro (mas nem tanto quanto poderia ter sido) e sem nenhum respeito pelo politicamente correto (que pode assustar os mais pudicos).
O primeiro romance adulto de Rowling conta a história da pequena Pagford logo após a morte de Barry Fairbrother. Este, que ocupava o cargo mais alto da cidade, se torna, então, um personagem onipresente, responsável por um cataclismo que abala a cidade e constrói a trama. Se, inicialmente, a narrativa parece que vai seguir por um viés policial – à la Agatha Christie -, Rowling nos surpreende com uma análise social da realidade britânica.
No entanto, o excesso de personagens, que ao todo somam trinta, é um ponto negativo. Nenhum dos trinta nomes que confundem o leitor se destaca. Rowling, que na saga de Harry Potter se mostrou uma exímia criadora de personagens inesquecíveis, dividiu demais a “magia” em Morte Súbita. Algumas histórias são pouco envolventes, outras banais, mas como um todo, tecem uma rede de intrigas convincente, apesar de pouco envolvente, que finaliza de forma súbita e emocionante.
Temas como o suicídio, sexo, estupro, bullying, vício em heroína, e a violência doméstica compõem a narrativa e são tratados sem pudor – e com muitos palavrões. É como pegar a sua mãe falando sobre sexo – e ficar sem graça com isso.
A falta de fantasia e a dureza excessiva da realidade apresentada por Rowling podem parecer arbitrárias, pouco cativantes e muito distantes daquele mundo que Harry, muito espertamente, considerava sua casa, mas refletem muito bem o momento econômico e social pelo qual passam o mundo e, especialmente, a Inglaterra.
J.K.Rowling, como bem sabemos, “não dá ponto sem nó”. O livro tem um ritmo perfeito para a televisão e já foi comprado pela BBC. Agora, é só esperar para ver o resultado da adaptação para a TV que, acredito, tem potencial para ser melhor que o livro. Já pensaram no “dream cast”?
O primeiro capítulo do livro pode ser lido aqui. Só peço uma coisa, livrem-se de qualquer expectativa por se tratar da “autora de Harry Potter”.
Gostei de sua resenha mas achei muito comparativa a Harry Potter. Claro que não devemos desmerecer a grande série literária que Rowling criou. Parabéns pelo blog!
Olá Mateus,
obrigada! Ao ler o livro, tentei não comparar as duas obras, mas sendo a J.K.Rowling fica difícil não traçar nenhum paralelo. Mas achei super bacana ela ter escrito algo totalmente diferente de Harry Potter. 😉