Em alguns momentos de Lincoln, o presidente americano é chamado de ditador. Uma acusação exagerada, obviamente, mas eram tempos de guerra. O próprio Abraham Lincoln admite que fez uso de poderes especiais concedidos a ele durante o período, e ao longo do filme o vemos fazendo uso de tal poder de diversas formas (algumas até mesmo antiéticas) para promover sua vontade.
A rigor, Lincoln, de Steven Spielberg, não é uma cinebiografia dessa figura histórica. O filme concentra-se nos últimos meses do mandato presidencial, em 1865, e na guerra civil, que devastava o país há quatro anos. O conflito envolvia os Estados do Sul, agrário e escravocrata, e os do Norte, industrializado e desenvolvido. Quando o filme começa, o Norte – que representa a União – está próximo de vencer a guerra, e o presidente (interpretado por Daniel Day-Lewis) esforça-se para o Congresso aprovar a 13ª emenda e assim acabar com a escravidão, de uma vez por todas.
O problema é que poucos, além de Lincoln, queriam a emenda. Entre os republicanos, havia divisões; já o partido rival, o democrata, era fervorosamente antiabolicionista. Lincoln precisava de mais 20 votos para fazer passar a emenda que mudaria a história do país, e para isso não hesitou em conceder empregos por “baixo dos panos” e fazer alianças – ou seja, praticando a boa e velha “politicagem” tão conhecida por aqui. E claro, sem se envolver diretamente.
Fazer Lincoln era um projeto antigo de Spielberg. O resultado final é um filme particularmente sóbrio para os padrões spielberguianos. Todos os aspectos da produção seguiram esse paradigma: a fotografia, de tons frios e uma paleta de cores tendendo para o marrom e o preto; a trilha discreta de John Williams; os movimentos de câmera esparsos e pouco frequentes.
É um filme conduzido pelo diálogo e que mergulha nos bastidores do processo político. Por isso mesmo, e por ser americano demais, talvez não agrade a uma parcela do público. Contudo, a trama envolvendo a aprovação da 13ª emenda é fascinante, uma medida cuja visibilidade acabou beneficiando não só os Estados Unidos, mas diversos outros países que seguiram o exemplo.
Ao longo do filme vemos um inacreditável grupo de atores em ótima atuação: Hal Holbrook, David Strathairn, John Hawkes, Jared Harris, Joseph Gordon-Levitt, como o filho de Lincoln; Robert; e Sally Field, como a sua esposa. E o maior dos coadjuvantes é o ator Tommy Lee Jones, intenso como o congressista Thaddeus Stevens, um homem com as mesmas ambições de Lincoln, porém sem a sua paciência. Contudo, ao longo da história, ele aprende a obtê-la.
Por melhores que estejam os coadjuvantes, acima de todos paira a interpretação de Daniel Day-Lewis, no papel de Lincoln. É impressionante como em todos os filmes dos quais participou, o ator sempre apareceu como alguém totalmente diferente. Em Lincoln, vemos mais um monumental trabalho de caracterização – cada fala, inflexão, movimento e postura revelam a índole do personagem. Trata-se de mais um grande trabalho deste ator sem igual, e também a maior qualidade do filme.
É uma pena que próximo ao final, o sóbrio Spielberg volte a ser o Spielberg de sempre e nos mostre algumas cenas de emoções exageradas, buscando arrancar algumas lágrimas desnecessárias da plateia. E o diretor não consegue evitar endeusar o presidente, diga-se sem razão, pois os próprios atos do presidente já garantiriam a sua admiração. Está aí um homem que viu um futuro melhor para o seu país e enxergou uma oportunidade para a sua sociedade deixar para trás a mácula da escravidão. O fim justificou os meios? Podemos olhar para o processo histórico e responder a essa pergunta.
Título: Lincoln
Dirigido por: Steven Spielberg
Ano: 2012
Nacionalidade: EUA
Avaliação: ★★★★ Muito Bom
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