Após a morte do pai, um professor de Educação Física decide partir num exílio voluntário na cidade de Garopaba, acompanhado da cachorra do falecido, Beta. Esse personagem sem nome, mas de personalidade marcante, nos conduz numa jornada de autoconhecimento por vezes surreal, mas que também surpreende pelo realismo.
Décadas antes da chegada do professor à Garopaba, o avô dele, o misterioso Gaudério, teria sido assassinado na mesma cidade, quando esta era apenas uma vila de pescadores. A busca para descobrir a verdadeira história por trás do assassinato é o catalizador de tudo o que acontece no período em que o acompanhamos.
Com um problema neurológico raro, que o impede de memorizar rostos – inclusive o dele mesmo – ele junta o mosaico de memórias e detalhes que conhece para tentar construir a história do avô e a de si próprio.
“Vê um nariz batatudo, reluzente e esburacado como uma casca de bergamota. Boca estranhamente juvenil entre queixo e bochecha tomados por rugas finas, pele um pouco flácida. Barba feita. […] Seus olhos percorrem todos os quadrantes desse rosto no intervalo de uma respiração e ele pode jurar que nunca viu essa pessoa na vida, mas sabe que é o pai porque ninguém mais mora nessa casa desse sítio em Viamão e porque ao lado direito do homem sentado na poltrona está deitada de cabeça erguida a cadela azulada que o acompanha faz muitos anos”.
Esse detalhe não é uma mera coincidência na trama. A inexistência de um nome para o personagem principal pode ser entendida como uma metáfora sobre a busca da identidade pelo personagem, que não reconhece a própria imagem refletida no espelho, assim como não sabe o que quer da vida.
“No momento em que a família imediata desse personagem desmonta, o avô que ele nem chegou a conhecer se torna a conexão dele com a família. Mais do que isso, acaba sendo um vínculo dele com a própria identidade. Enquanto tenta descobrir o que aconteceu ele vai quase se tornando o avô, até fisicamente”, diz Galera em entrevista ao jornal O Globo.
Como qualquer cidade pequena, Garopaba é cheia de códigos e rituais específicos. A chegada do soturno neto de Gaudério – uma lenda local – faz com que a população se sinta ameaçada. A presença do estranho não é bem vinda, e ele logo percebe isso. E Garopaba também é personagem do livro. Durante o verão, é uma anfitriã cordial e acolhedora às centenas de turistas que a ocupam. No inverno, mostra sua pior faceta: é cruel e opressora com os poucos que ousam enfrentá-la.
O título, Barba Ensopada de Sangue (Ed. Cia das Letras), que pode espantar alguns leitores, refere-se a uma cena do livro. É uma referência a esse personagem que, somente no final da jornada, limpa a barba que o camufla e se assume como “um cara bom”, mas que vive se comparando com o avô, o irmão, o pai… Afinal, não há nada de mais violento do que o processo de amadurecimento.
A universalidade do tema é contrastada com a regionalidade do sotaque. Desde a “bergamota” (como a mexerica, ou tangerina, é chamada no sul do país) da primeira frase, até o ritmo dos diálogos, você sente o ritmo gaúcho de falar. Ainda assim, a história poderia se passar em qualquer lugar do mundo. Por isso, talvez, tenha surpreendido o mercado editorial brasileiro ao ser vendida para Alemanha, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos e Itália, antes mesmo de o livro ser lançado.
O livro também teve seus direitos vendidos para o cinema. A produção começa a ser filmada no final de 2013, sob direção de Karim Aïnouz, de “O céu de Suely”. É o segundo longa inspirado em uma obra de Galera, depois de o “Cão sem dono”, de 2008, dirigido por Beto Brant com base em “Até o dia em que o cão morreu”.
Dá para ler um trecho do livro aqui.
Esse livro é simplesmente incrível. Fiquei muito afim de conhecer outros trabalhos do Galera.
Olá Marinha,
também adorei o Barba e virei fã do Daniel Galera. Quero ler outros livros dele, mas não são tão fáceis de achar pelas livrarias… =/
Vou começar pelo Cachalote, que era um que eu já tinha vontade de ler.
Abs,
Amanda
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