Amor: a rotina devastadora de um velho casal

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Alguns cineastas são como cirurgiões: examinam uma situação com rigor médico, dissecam-na e expõem-na com realismo e força, embora muitos espectadores não estejam acostumados com tamanha precisão. Michael Haneke é um deles – o diretor alemão já lançou vários filmes cujo impacto sobre o público assemelha-se a um soco no estômago, tais como Funny Games (1997), A Professora de Piano (2001), Caché (2005) e A Fita Branca (2009).

Assim como revela o título, em Amor, Haneke volta sua atenção para aquele que é considerado o mais nobre e elevado dos sentimentos humanos. Frequentemente banalizado pela música, pela literatura e também pelo cinema; do ponto de vista do diretor, o amor adquire uma conotação muito séria. Afinal, dizer “eu te amo” para alguém pode até não ser tão difícil. Contudo, a vida oferece circunstâncias nas quais essa afirmação será posta à prova. É o caso da situação descrita no filme.

emmanuelleGeorges (Jean-Louis Trintignant) e Anne Laurent (Emmanuelle Riva) formam um casal idoso e bem de vida. A rotina tranquila deles, no entanto, muda quando a esposa começa a apresentar problemas de saúde – uma obstrução na carótida a deixa com um dos lados do corpo paralisado. Anne faz o marido prometer que não a deixará num hospital ou numa clinica de repouso. De modo que, Georges se dedica a tomar conta dela em casa. Quando a situação dela se deteriora ainda mais, resta ao espectador acompanhar a convivência deles, e observar até onde vai o amor de Georges pela esposa…

O olhar duro e seco de Haneke não suaviza em nada a experiência para o público. A sua câmera raramente se move. Tirando algumas pouquíssimas cenas, praticamente todo o filme se passa dentro do apartamento do casal. Não há trilha sonora, apenas sons diegéticos – uma torneira pingando, uma música tocada no piano. A situação de Anne “só pode piorar”, como ela mesma chega a dizer num dado momento. E de fato acontece.

O filme, por sua vez, não ignora os sentimentos e as circunstâncias característicos de uma situação como essa: as indignidades; os rancores de uma vida em comum que vem à superfície (“Você é um monstro, mas gentil”, diz Anne); os gemidos indicativos de uma dor que a paciente não sente, de acordo com a enfermeira.

eleAmor é um de filme de atores, já que Haneke não se afasta dos personagens em nenhum momento. Para viver Anne e Georges, o diretor escalou duas verdadeiras lendas do cinema francês. Riva conquista o espectador no início e depois retrata a decadência física de sua personagem com entrega e vigor – chega até a aparecer nua em cena. E Trintignant está tão bem quanto ela. De certa forma, é dele o papel mais difícil do filme. Temos piedade do sofrimento do seu personagem e compreendemos o que Georges sente a cada momento. Não deixa de ser sempre comovente a forma como Georges abraça Anne para ajudá-la a se levantar – belos e sutis momentos explorados com precisão pelos atores.

O filme traz algumas surpresas ao longo do caminho. Algumas vão chocar parte do público, mas ninguém poderá negar que todas as emoções mostradas no filme são verdadeiras. Em alguns momentos vemos imagens do apartamento dos Laurent vazio. A filha deles (uma boa participação de Isabelle Huppert, habitual colaboradora de Haneke) senta-se numa poltrona, buscando compreender.

A experiência de assistir a Amor é devastadora e não oferece, realmente, tal compreensão, tampouco conforto. Contudo, é uma experiência completamente humana. Aqui Haneke nos relembra, sem concessões, que envelhecer é duro, o fim é triste e o amor traz responsabilidades.

ficha técnicaFicha Técnica

Título: Amor (Amour)

Dirigido por: Michael Haneke

Gênero: Drama

Ano: 2012

Nacionalidade: França/Alemanha/Áustria

Avaliação: ★★★★★  Excelente

Ivanildo - assinatura PNG

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