O Som ao Redor: a vida na capital

O Som ao Redor

Você já acordou no meio da noite, num horário em que todos estão dormindo, e começou a ouvir os sons da sua rua ou do interior da sua casa? As sensações de assombro e espanto provocadas por essa experiência são constantes em O Som ao Redor, o longa do crítico e diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho – uma experiência absolutamente diferenciada e única, comprovando o talento de seu realizador.

Não há uma trama em O Som ao Redor. Há apenas personagens: os habitantes de um bairro no Recife.  O filme muda de foco narrativo constantemente, enquanto acompanhamos um pouco do cotidiano daquelas pessoas. Vemos a dona de casa atormentada pelos latidos do cachorro do vizinho. Depois o jovem condômino (e neto do dono da maioria dos imóveis da área) engatando um relacionamento com uma moça. Há ainda o garoto delinquente,  apesar de ser membro da classe média e  levar uma vida confortável. E também os milicianos que, de uma hora para outra, aparecem para fazer a vigilância noturna nas ruas.

Cena de O SOM AO REDOR 2

Todas essas figuras, bem como suas histórias, são costuradas pela visão de Mendonça Filho e seu enorme fascínio pela cidade de Recife. Mas, além disso, os interesses do diretor pelo “animal humano” e pela passagem do tempo representam os verdadeiros fios condutores da narrativa. Os personagens de O Som ao Redor são todos bastante humanos e realistas. Para dar vida a tais pessoas, o longa faz uso de atores pouco conhecidos, atuando de forma completamente natural. O nome mais conhecido do elenco é o de Irandhir Santos, graças ao sucesso de Tropa de Elite 2 (2010), no papel do segurança Clodoaldo. Porém, até mesmo ele logo desaparece no personagem.

O design sonoro do filme também é outro grande fator responsável pela imersão do espectador naquele universo. A trilha sonora é ouvida apenas raramente. De vez em quando se ouve uma canção, a mesma que algum personagem por ventura esteja ouvindo. A dona de casa, por exemplo, substitui o som que a atormenta (os latidos) por outro mais a seu gosto (uma canção do Queen). Em várias cenas as pessoas não falam muito e os sons diegéticos dominam o espaço. Mais tarde, na cena em que dois personagens visitam as ruínas de um velho cinema, os sons dos filmes outrora exibidos lá evocam a sensação de algo perdido, mas ainda muito presente. Até os pesadelos de dois personagens são pontuados por ruídos estranhos.

E o outro interesse do filme é o tempo. Em vários momentos ocorre a contraposição entre o Recife antigo (o tio vê sua antiga rua reaparecer diante de si, as cenas no cinema em ruínas) e o atual – um lugar onde as pessoas vivem isoladas e amedrontadas. Algumas cenas dentro do condomínio evocam a ideia de prisão, com grades e pessoas afastadas por muros – por exemplo, o garotinho pedindo em vão para que devolvam sua bola. O medo é constante naquele mundo. E de fato, há momentos em que o diretor exercita o dom para criar tensão demonstrado em alguns dos seus curtas (as já mencionadas cenas de pesadelo, o vulto passando atrás do casal transando, a sequência final).

Sendo assim, é também um filme sobre as mudanças pelas quais passou o Brasil. A emergência da classe média foi um dos fatores que transformou o Recife de antigamente, ainda tão presente na memória do diretor. O Som ao Redor termina como um retrato da vida nas grandes capitais brasileiras. De fato, o filme começa com fotos antigas, e encerra com o barulhento estouro de bombinhas.  É cinema de primeira grandeza, unindo de forma criativa e brilhante sons e imagens para construir uma experiência emocional.

IMAGEM PRINCIPAL - O Som ao RedorFicha Técnica:

Título: O Som ao Redor

Dirigido por: Kleber Mendonça Filho

Gênero: Drama

Ano: 2012

Nacionalidade: Brasil

Avaliação: ★★★★★  Excelente

 Ivanildo - assinatura PNG

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