O hipnotismo é uma coisa fascinante. É incrível como um ser humano pode ter seu comportamento influenciado ou mesmo modificado pelo simples ato de ouvir outra pessoa falar. O cinema é assim também: consegue nos seduzir e nos trazer para dentro de histórias, algumas até bastante fantasiosas e distantes da nossa realidade. No caso do cinema, esse processo é realizado com a conjunção de imagens e sons. Com esse pensamento em mente, o diretor Danny Boyle tenta um verdadeiro truque de hipnotizador com seu novo trabalho, Em Transe.
Na trama, Simon (interpretado por James McAvoy) trabalha numa galeria de arte como auxiliar de leiloeiro e protetor de obras de arte valiosas. Porém, secretamente, ele faz parte do outro lado: durante um leilão, Simon auxilia uma quadrilha a roubar uma valiosíssima tela de Goya. O problema é que, durante o assalto, Simon é atingido na cabeça pelo líder do bando criminoso, Franck (Vincent Cassel), e desenvolve amnésia, esquecendo-se de onde escondeu a tela roubada. Os bandidos resolvem então recorrer à doutora Elizabeth Lamb (Rosario Dawson), uma especialista em hipnose, para arrancar da mente do rapaz a localização do quadro. Contudo, esse processo será mais complicado do que parece.
Boyle, um cineasta sempre inventivo visualmente – afinal, é o realizador do clássico moderno Trainspotting (1996) e do oscarizado Quem Quer Ser Um Milionário? (2008) – cria novamente imagens impressionantes em Em Transe. A montagem é ágil e aos poucos elimina as fronteiras entre a narrativa objetiva e a subjetiva, no interior da mente dos personagens. A fotografia faz uso de diferentes cores para “embaralhar” os vários estágios mentais do protagonista. Além disso, Boyle e seu colaborador, o diretor de fotografia Anthony Dod Mantle, frequentemente usam ângulos estranhos ou inclinados, e enquadram as tomadas através de vidros ou espelhos em muitos dos ambientes e cenários, criando imagens fragmentadas adequadas à história que, no fim das contas, envolve a fragmentação das memórias de Simon.
O elenco inteiro está ótimo, especialmente Rosario Dawson, que dá vida à figura mais fascinante do longa. Sua personagem tem uma história complicada com o de McAvoy, cujo desenrolar fica mais interessante à medida que a trama progride. Além disso, a personagem manipula os demais como uma autêntica femme fatale do cinema noir. James McAvoy também realiza um grande trabalho como Simon, encarnando com facilidade as mudanças pelas quais passa o protagonista – e é fascinante ver a figura até simpática do inicio exibir o lado mais negro de sua personalidade no terço final do filme.
Há um quê de A Origem (2010) em Em Transe. As reviravoltas e o enredo centrados na exploração da mente evocam lembranças do famoso trabalho de Christopher Nolan. No entanto, Nolan é um melhor hipnotizador, por assim dizer, do que Danny Bolyle. Em Transe não consegue segurar o encantamento até o fim, já que minutos finais realmente mais atrapalham do que ajudam o filme – além de levantar alguns questionamentos capazes de apontar furos na narrativa. Em Transe é um bom truque, estiloso e envolvente, e ainda tem uma trilha sonora incrível (como sempre, em se tratando de um trabalho de Danny Boyle). Pena que se atrapalhe um pouco dentro dos meandros da sua própria mente. Há ideias muito interessantes dentro dele, sobre o quão facilmente nós podemos ser manipulados, mas elas ficam em segundo plano, enquanto o desejo do cineasta de hipnotizar o público toma a precedência.
Título: Em Transe (Trance)
Dirigido por: Danny Boyle
Gênero: Suspense
Ano: 2013
Nacionalidade: Inglaterra
Cotação: ★★★ Bom