Conforme prometi na nossa agenda do último domingo, escrevo hoje sobre Aconteceu em Woodstock. O filme mostra como o espírito que contagiou o festival de rock mais famoso do mundo permanece bem vivo. Uma prova disso foi o interesse do diretor chinês Ang Lee por contar a história de um rapaz de vinte e pouco anos. O jovem foi um dos responsáveis por trazer o evento à pacata cidade de White Lake, no estado de Nova York, em 1969.
Em 2007, Lee promovia sua película, Desejo e Perigo, quando encontrou com Elliot Siber em um programa de TV de São Francisco. Siber, por sua vez, trabalhava no lançamento de seu livro autobiográfico Taking Woodstock. O autor tentou, então, convencer o cineasta de que a sua obra deveria ir para as telas. No depoimento dado nos extras do DVD de Aconteceu em Woodstock, o diretor conta que uma conversa de apenas um minuto foi suficiente para aceitar a proposta. Assim, a trama vivida por Elliot Siber foi parar nos cinemas. Uma das poucas diferenças é que o sobrenome dele foi mudado.
O início do longa mostra Elliot Teichberg (Demetri Martin) saindo de Nova York e abandonando o sonho de investir na carreira de design para tentar salvar a pousada da família. A hospedaria, que atende pelo pomposo nome de El Monaco International Resort, é uma espelunca afogada em dividendos. Para piorar, a mãe de Elliot, Sonia Teichberg (Imelda Staunton), é uma mulher ingrata que não reconhece a ajuda do filho. Já o pai, Jake Teichberg (Henry Goodman), parece um moribundo de tão entediado que é com a própria vida.
Além de se ver na batalha por resgatar o negócio dos patriarcas, o protagonista ainda tem que conviver com o tédio de White Lake. Uma das poucas coisas interessantes do lugar é a companhia teatral, The Earthlight Players, que Elliot ajuda a abrigar no celeiro da hospedagem. A sorte, entretanto, parece mudar quando o garoto descobre que a organização do Festival de Woodstock estava com problemas para encontrar a cidade sede para os shows. Elliot logo pensa em trazer o evento para perto de casa, pois essa seria a oportunidade perfeita para saldar as dívidas do El Monaco.
A chegada da equipe responsável por Woodstock à White Lake promove um choque cultural dos mais interessantes. De início, é lógico que a população conservadora olhou com desconfiança para aquele bando de malucos. Os habitantes até passam a considerar Elliot e Max Yasgur (Eugene Levy), o fazendeiro que empresta a sua fazenda para o festival, como traidores. Mas com o tempo, alguns locais até se contagiam com a atmosfera de paz e amor.
Woodstock promove transformações que foram muito além de White Lake. Uma das implicações, por exemplo, foi o aumento de protestos ao conflito no Vietnã. Lee não se preocupa em detalhar tudo o que aconteceu. Afinal, seria impossível fazer isso em um único filme. Mas ao focar no enredo de Elliot, já temos uma mostra dos acontecimentos maiores. A questão vietnamita, por exemplo, é abordada a partir de Billy (Emile Hirsch) – um amigo de infância do protagonista que foi à guerra e voltou de lá bem perturbado.
Para Elliot, o mais importante não foi salvar o negócio da família. As novidades na cidade fazem com que ele se aceite melhor como pessoa. Um time de coadjuvantes o ajuda nisso. Um deles é Michal Lang (Jonathan Groff), um dos organizadores do evento e um dos personagens mais hippies da trama. Ele foi baseado em uma pessoa real. O verdadeiro Lang dá entrevista nos extras do DVD e ele parece ser igual à figura retratada por Ang Lee. Outro destaque é Vilma (Liev Schreiber), um travesti que se oferece para trabalhar como segurança do El Monaco. A amizade entre Vilma e Jake Teichberg faz com que o pai de Elliot mude seu comportamento e se sinta grato pelo filho.
Ang Lee consegue obter um ótimo desempenho de seu elenco. O ator principal, Demetri Martin, é um comediante com pouca experiência cinematográfica. Todavia, ele encara muito bem o protagonismo. Imelda Staunton é tão boa no papel da mãe megera que sentimos até raiva de Sonia Teichberg. Já Liev Schreiber é excelente ao conseguir ser doce e, ao mesmo tempo, brutamonte como Vilma. A mudança na atitude de Jake também evidencia a boa atuação de Henry Goodman.
Além de dirigir muito bem as estrelas, Lee ainda faz cenas com vários figurantes. Isso acontece principalmente nas passagens situadas no festival em si. Houve uma preocupação em mostrar toda a variedade do público presente. Em alguns momentos, o diretor potencializa a diversidade de gente ao dividir a tela em duas ou três partes como na imagem acima. A escolha estética passa a impressão de que muitas coisas estavam ocorrendo ao redor.
Em Aconteceu em Woodstock, o espectador se sente transportado para o fim da década de 60. Há toda uma mística em torno de tal época. Mesmo pessoas da nossa geração sentem um certo saudosismo por esse tempo que foi tão rico em valores culturais. Um dos méritos do filme é, portanto, promover uma viagem ao passado. Se você quer conferir o longa, relembro que ele será exibido na próxima quinta, às 22h, no Telecine Cult. Não perca e até a próxima semana!