Criança, Tecnologia e Psicologia

Olá internauta,

Estou de volta com mais entrevista. Como o tema da semana é tecnologia, fui atrás dos psicólogos para saber o que eles estão achando do modo como as crianças, hoje, se relacionam cada vez mais cedo com os aparatos tecnológicos. Para isso, conversei com os profissionais Rodrigo Nunes Xavier e a Simone Barbosa Pasquini, ambos colunistas do site Psicologia e Ciência. Você vai ver que tanto quanto dividir a opinião dos pais, o assunto também gera polêmica entre os especialistas.

Blog 7em1: Muitos especialistas defendem o uso moderado da tecnologia durante a infância. No entanto, como os pais podem apreender tais limites se as tecnologias estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas?

Simone Pasquini: É primordial que os pais aprendam que apesar dessa invasão tecnológica em nosso cotidiano, eles precisam limitar essa utilização, ou seja, verificar a real necessidade para as crianças, estipular um tempo para elas manusearem e explorarem determinada tecnologia, orientar sobre o uso responsável e seguro. E não esquecer que a criança precisa explorar o mundo com brincadeiras e jogos do mundo real. Jogos e brincadeiras não estruturadas são de grande valia para a criança aprender a refletir, ser criativa, resolver problemas, trabalhar com limites e regras e desenvolver diversas aptidões necessárias para a interação com as outras pessoas.

Rodrigo Xavier: Cada família deve avaliar o que é mais adequado ao seu contexto e o papel que a tecnologia vai representar no relacionamento entre as pessoas. Acho que o problema não está na tecnologia em si, mas na função que os produtos podem exercer em determinadas situações. Por exemplo, se uma criança passa o todo o tempo livre no vídeo-game para evitar broncas e interações aversivas com os pais, há um problema que precisa ser resolvido aí e não se pode culpar a tecnologia.

Blog 7em1: Nesse caso, como os pais podem utilizar a tecnologia como uma aliada na educação/formação dos filhos?

Rodrigo Xavier: Acredito que a pergunta por si mesma se responda. Se os pais estão engajados na educação e formação dos filhos, não vai ser difícil conquistar a tecnologia como aliada. Eu e você podemos facilmente identificar como utilizar um tablet ou o Facebook de forma educativa. A questão na verdade é: “os pais estão interessados em se envolver pessoalmente na educação e formação dos filhos?”.

Simone Pasquini: A palavra chave é informação. Para os pais utilizarem a tecnologia a seu favor é importante conversar com os filhos e orientar qual a melhor forma de manusear toda a tecnologia. E sempre manter uma linha aberta de conversa, que possibilitará aos filhos questionarem os pais caso algo aconteça, ou alguma dúvida ou conduta virtual ocorra. Temos que ter a consciência que a tecnologia está aqui e, nós, como membros desta sociedade moderna, precisamos orientar nossos filhos para o futuro. Afinal, qualquer que seja a tecnologia, o impacto sobre nossos filhos agora é o que forma as gerações futuras da nossa sociedade.

Blog 7em1: Alguns pais, com receio de prejudicar a infância, tomam atitudes drásticas de isolar a criança do acesso às tecnologias. Que implicações isso pode ter para uma criança que vive numa sociedade dominada por aparatos tecnólogicos?

Rodrigo Xavier: Não vejo problema, a não ser que se trate apenas de uma forma de supercontrolar os filhos. Se for, com certeza não será a única maneira como isso será feito. E uma criança supercontrolada, como muitos sabem, não tem habilidades suficientes para se sair bem em nenhuma das esferas da sua vida, como a social, educacional, de lazer etc. Se uma criança não tiver acesso a vídeo-games ou internet em casa, logo o terá na casa dos amigos ou na escola. Mais uma vez, vejo que o problema não está na questão do uso ou não da tecnologia, mas na qualidade das interações que os familiares estabelecem entre si. É uma relação de apoio, incentivo, controle ou coerção? Acredito que esta questão é mais relevante.

Simone Pasquini: A tecnologia exerceu um profundo impacto em todos os setores da sociedade, como produtos, serviços e informatização. Com isso, houve implicações significativas para a estrutura social e de como as pessoas se relacionam umas com as outras. Excluir completamente uma criança dessa revolução tecnológica é prejudicial, pois seria como aliená-la de tudo que ocorre ao seu redor, até mesmo das relações mais simples e mais importantes do dia a dia. Esta criança se sentiria privada de tudo e acabaria se excluindo também por não entender nada deste novo mundo.

Blog 7em1: Agora, é sabido que as crianças tem o comportamento típico de imitar os pais. O discurso do ‘só uma horinha em frente ao computador’ tem eficácia quando elas veem os responsáveis às voltas com tablets, blackberry, smartphones entre outros aparelhos por conta do trabalho? O que fazer para driblar essa situação?

Simone Pasquini: Esse discurso de “só uma horinha” pode ocorrer em dois momentos. Primeiro, se a criança tem o hábito de sempre adiar situações futuras ou evitar realizar algo que não gosta. Neste caso, é importante os pais limitarem e propor algumas regras para uso do computador. O segundo momento ocorre quando os pais deixam as crianças se entreterem no computador como forma de “babá eletrônica”, enquanto realizam afazeres profissionais em casa. É uma situação em que os pais precisam avaliar como os seus hábitos refletem nos hábitos dos filhos e, portanto, pensar sobre a importância de equilibrar essas situações em casa.

Rodrigo Xavier: Os pais devem tomar as melhores decisões para os seus filhos. Se eles decidirem que a criança não deve mais ficar no computador, basta programar uma atividade mais prazerosa que convencerá a criança com facilidade. O que não adianta é tirar a criança do Messenger para obrigá-la a ver novela. Chame para um passeio no parque com o cachorro, para uma partida de jogo de tabuleiro ou para uma conversa gostosa. De quebra, ainda dá um bom exemplo para o filho de que a vida real vale mais a pena do que a virtual.

Blog 7em1: Não é raro encontrar pais que, privados de televisão e brinquedos eletrônicos da época, quer por imposição da família ou pela falta de recursos; na condição de adultos não poupam gastos para comprar eletrônicos para os filhos, achando que estão fazendo o melhor. Neste caso, há alguma alternativa? Como a Psicologia pode ajudar?

Rodrigo Xavier: O exemplo dado na pergunta é verdadeiro e, neste caso, não tenho nenhuma objeção aos motivos citados. Pais que desejam o melhor para os seus filhos certamente irão os criar bem. Agora, quando falamos de pais que compram de tudo para compensar sua ausência em casa, para evitar interagir com os filhos, para ceder a birras etc; precisamos pensar em formas de fazer estes pais serem mais presentes, aprenderem a aproveitar a companhia das crianças e a perder o medo de colocar limites. A Psicologia pode ajudar nestes casos tanto em termos de terapia pessoal como em orientações de pais. Eu tenho tido experiência com pais que não sabem que podem tomar decisões e colocar claramente para o filho o que esperam deles, sendo que algumas orientações e esclarecimentos são o suficiente para melhorar esta situação. Há casos, porém, em que estas dificuldades revelam uma limitação pessoal daquele pai ou daquela mãe e uma orientação breve não é suficiente. Uma terapia pessoal pode ser recomendada nesta situação.

Simone Pasquini: Como não citar aqui um texto riquíssimo da jornalista Eliane Brum – Meu filho, você não merece nada. As vontades e desejos de infância dos pais de querer e ter estão se sobrepondo ao aprendizado que tiveram no passado, onde as lutas, as frustrações e as conquistas foram pontos importantes para o desenvolvimento de uma criança e adolescente. Infelizmente, vivemos num momento em que frustrar os filhos parece um crime no qual os pais serão punidos para o resto da vida. Esquecemos que para conseguirmos proporcionar tudo isso para os filhos, tivemos que lutar, conquistar e muitas vezes fomos frustrados também. Porém, tivemos força para dar a volta por cima e tentar novamente. A alternativa que encontro é uma reflexão, pensar que apesar da excelente intenção que os pais têm hoje, é necessário desenvolver nas crianças e adolescentes a força para conquistar seu espaço no mundo.

Blog 7em1: Estudos apontam que entre os 6 e 14 anos, a criança está na fase em que se intensificam o relacionamento com o outro e também o entendimento das regras da sociedade. Por outro lado, hoje, você encontra perfis de crianças ainda mais jovens em redes sociais, como Twitter e Facebook. Como isso afeta a maneira da criança se relacionar com pessoas fora rede?

Rodrigo Xavier: Eu diria que a criança, desde que nasce, está sempre em uma nova fase e que, a cada dia, intensifica seu relacionamento com o outro e o seu entendimento das regras da sociedade. E este processo não acaba na infância, mas prossegue continuamente. Então, mais uma vez, coloco a questão sob outro foco. Deveríamos nos perguntar se a criança que tem Twitter está sendo supervisionada, quem ela segue, quem são os seus seguidores etc. Se ela tem Facebook, com quem está trocando mensagens, que fotos estão sendo publicadas, que informações estão disponíveis e por aí vai. Se a criança está sendo supervisionada e protegida, se está estabelecendo relações saudáveis e se a permanência na internet não está servindo de fuga de relacionamentos estressantes dentro de casa; acho a criança só tem a se beneficiar. Ela vai se sentir segura e hábil o suficiente para lidar bem com as pessoas com quem se relacionar fora do computador. Caso contrário, o problema não recai sobre os produtos da tecnologia, mas sobre questões que precisariam de atenção mesmo se ainda estivéssemos no século XX.

Simoni Pasquini: Com a explosão das redes sociais pelo mundo, há estudos que comprovam um aumento significativo de usuários com idade inferior a 13 anos de idade. E muitas crianças se utilizam destes meios de comunicação para interagirem com colegas da escola, amigos e até parentes. Dependendo da idade da criança e do uso que é feito das redes sociais, ela pode começar a dar mais importância às relações virtuais e deixar aos poucos as relações “face a face”. Isso pode ocorrer porque as redes sociais possibilitam uma exposição maior da criança, requerem menos habilidades sociais e o alcance de informações é enorme. Com todos esses reforçadores virtuais, o relacionamento cotidiano fora rede fica prejudicado, elas perdem as habilidades necessárias para viver o mundo real, onde a intolerância, a empatia e a assertividade são alguns dos pontos importantes para interação real. Temos que ter em mente que a internet é importante, contudo não substituto das relações reais.

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