Há dois filmes diferentes acontecendo no início de O Segredo da Cabana. O primeiro é aquele de terror que o espectador já viu centenas de vezes: um grupo de jovens viaja para uma cabana isolada no meio do mato para um fim de semana de curtição. O grupo é formado pelos estereótipos mais batidos – tem o atleta bonitão com a namoradinha gostosa, o amigo maconheiro para servir de alívio cômico, e a mocinha (aparentemente) virgem, destinada a se tornar a “última garota”, a tradicional heroína da história. Nem o velho sinistro, vivendo à beira da estrada, ficou de fora. Na clássica cena dos longas de terror, ele avisa aos jovens para não irem à cabana, mas é solenemente ignorado.
Já o segundo filme parece uma comédia. Nestas cenas acompanhamos o que parece ser uma mistura de laboratório científico e repartição pública, onde os técnicos monitoram tudo que se passa com os jovens. A princípio, a confusão do espectador é inevitável, mas descobrir como ambas as histórias se relacionam é a chave da experiência do filme. E justo quando o espectador pensa que entendeu, o criativo longa ainda guarda surpresas.
O Segredo da Cabana é resultado da união das mentes dos roteiristas Drew Goddard e Joss Whedon. Whedon ficou famoso como criador do seriado Buffy: A Caça-Vampiros (1997-2003), e mais recentemente, como diretor do megassucesso Os Vingadores (2012). O filme marcou a estreia de Goddard como diretor. Aliás, na verdade, ele estava pronto há bastante tempo – foi filmado em 2009 – mas ficou guardado nos cofres do estúdio MGM, quando esse decretou falência, em 2010. Porém, foi lançado recentemente, após ter sido comprado pelo estúdio Lionsgate.
É um projeto no qual aparentemente todos se divertiram muito ao fazê-lo, e isso transparece na tela. O elenco é ótimo, contando com os veteranos Richard Jenkins e Bradley Whitford na sala de controle (acompanhados da sempre simpática Amy Acker). E dentre os jovens, nota-se a presença de Chris Hemsworth, antes de se tornar famoso como o super-herói Thor – mas devido ao atraso do lançamento, Cabana só saiu depois de Thor (2011). O tom de bom humor também está presente, fazendo de Cabana o filme de terror mais irônico desde Pânico (1996).
São brilhantes as piadas envolvendo o “terror japonês” e suas menininhas fantasmagóricas de longos cabelos escuros, ou as cenas envolvendo os controladores apostando em como os jovens morrerão. As citações ao clássico A Morte do Demônio (1981), a quintessência dos filmes ambientados em cabanas malditas, também trazem sorrisos aos fãs. E os roteiristas não esquecem de lançar mão de um pouco da metalinguagem: quando o personagem de Whitford afirma que “eles não são os únicos assistindo”, ele ser refere a nós, espectadores. O filme vira o espelho na nossa direção, deixando claro a nossa participação na experiência de assistir a um longa de terror, ao mesmo tempo em que aponta a nossa familiaridade com os clichês. Clichês, estes, que serão subvertidos logo a seguir.
E, de fato, os realizadores do filme ressaltam o quanto esses clichês já estão desgastados. O Segredo da Cabana, de maneira rica, fala ainda sobre o processo de criação. O autor de uma história pode deixar seus personagens livres, ou pode força-los a se comportar de uma determinada maneira para fazer a trama se desenrolar como ele quer. É isso que o pessoal da sala de controle faz, assim como muitos roteiristas de terror: seus personagens não agem de forma orgânica, mas sim como estereótipos se comportando de maneira estúpida, e morrendo por causa disso.
Contudo, quando se deixa os personagens livres, eles podem ganhar “vida própria” e modificar aquilo que vem sendo contado. Trata-se de um filme, de criadores contra criaturas, inteligente e divertido. Depois dele, os jovens nunca mais poderão passar um fim de semana divertido na cabana sinistra. O terror terá de procurar outro lugar para morar.
Título: O Segredo da Cabana (The Cabin in the Woods)
Dirigido por: Drew Goddard
Gênero: Terror/Comédia
Ano: 2012
Nacionalidade: EUA
Avaliação: ★★★★ Muito Bom