A história de Pi, um jovem indiano, poderia perfeitamente começar com um “era uma vez…”, pois ao entrarmos no cinema para assistir a As Aventuras de Pi estamos embarcando no território das fábulas. O novo trabalho do diretor Ang Lee é uma experiência sensorial e uma empolgante fantasia, uma obra a respeito de um dos conflitos fundamentais do homem: em que acreditar?
O próprio Pi, já adulto (Irrfan Khan), conta seu passado a um escritor (Rafe Spall). Desde criança, Pi – abreviatura de “Piscine”, um nome que lhe rendeu muitos problemas – busca nas religiões uma explicação, de forma até engraçada (ele acreditava em várias ao mesmo tempo), para a sua existência. Sua procura contrasta com a visão pragmática do pai, para quem a “religião é treva”. Mas, sua mãe, uma pessoa espiritualizada, o encoraja.
O pai de Pi administra um zoológico, porém circunstâncias forçam-no a vender os animais e transferí-los para outro país. No trajeto, o barco onde a família viajava naufraga em meio a uma tempestade. Assim, Pi, adolescente, (Suraj Sharma) se vê a deriva, no oceano, num bote salva-vidas, na companhia do animal mais temido do zoológico: o tigre de Bengala, batizado curiosamente de “Richard Parker”. O filme é baseado no livro de sucesso de Yann Martel.
Ang Lee é o cineasta dos personagens em conflito com o meio, como visto em suas obras mais famosas, os excelentes O Tigre e o Dragão (2000) e O Segredo de Brokeback Mountain (2005). Aqui não é diferente. Desta vez, ele conta uma parábola sobre alguém que descobre dentro de si a força para se encontrar no mundo. E o diretor o faz transformando As Aventuras de Pi num verdadeiro espetáculo visual.
Os animais feitos em computação gráfica interagem de maneira completamente realista com o cenário e o protagonista humano. Richard Parker é feito em computação e um tigre real aparece apenas nas cenas em que o animal é visto nadando. E o 3D do filme é o melhor uso dessa ferramenta desde A Invenção de Hugo Cabret (2011), de Martin Scorsese. Com eles, Ang Lee cria momentos sublimes e imagens difíceis de apagar da memória.
Um exemplo, é a cena em que Pi observa, embaixo d’água, o navio naufragando; ou quando o céu e a linha do horizonte se confundem num pôr-do-sol amarelado; ou ainda a cena em que uma enorme baleia salta do mar, iluminada por algas. Toda esta técnica está a serviço da fantasia inerente à história. Não se trata, contudo, de um filme naturalista. E nem é para ser, afinal, são as lembranças de alguém.
Tais imagens espetaculares contribuem para a jornada interior de Pi, que precisa achar um jeito de se “entender” com seu companheiro de viagem. A convivência entre eles e os eventos pelos quais eles passam aos poucos fornecem a Pi o sentido que ele tanto procurava. Nesse sentido, é interessante perceber a inteligência e a visão madura, tanto de Ang Lee quanto da do seu protagonista.
Em dado momento, Pi diz ao escritor que duvidar é bom: “A dúvida mantém a fé viva”, afirma. Seu pai, apesar de desprezar as religiões, o encoraja e ressalta o poder da razão como primeiro passo para explicar o mundo. A jornada de Pi é uma parábola na qual se pode acreditar ou não. Embora para ele represente a fé em Deus, também pode representar a crença na fantasia e na capacidade dela de nos explicar conceitos abstratos e complicados de maneira simples.
E a fantasia muitas vezes é usada para dar sentido às nossas experiências – esta parece ser a verdadeira lição de As Aventuras de Pi.
Cotação: ★★★★★ Excelente
Pingback: Especial Oscar 2013 « 7 em 1
Pingback: E o Oscar vai para… | 7 em 1